Salve a criançada!

Durante os meses de setembro e de outubro sempre tem festa para as crianças, seja por causa da data do dia 12, seja por conta da devoção à Cosme e Damião ou aos Ibejis. Muitas famílias pagam promessas com a oferta de caruru, sobretudo as que têm familiares que são gêmeos e que muitas vezes aconteceu alguma intercorrência na gravidez ou no nascimento desses filhos. São diversas festas dedicadas às crianças e promovidas tanto pela religião católica, como pelas comunidades e povos de terreiro, que celebram com muita festa e alegria a importância e potência de uma infância vivida de maneira plena e feliz. É muito bom a gente celebrar a criança, a infância, aquela infância que tem a comida no prato, com brincadeiras, com liberdade e com segurança.

 

E é importante a gente destacar que essa celebração toca num ponto muito sério e pertinente, que é a questão de como estamos preservando a infância seja no Brasil, seja fora dele. E aí eu quero puxar para um assunto muito sério, que às vezes a gente só olha para a infância, quando crimes acontecem. Crianças que perdem a vida todos os dias por negligência do Estado, a exemplo das balas perdidas que sempre encontram um jeito de achar alguém. Crianças que são vítimas de tráfico humano, de crimes de pedofilia, de violência doméstica, de trabalho infantil. E quando os conflitos armados são escancarados, aí é uma chuva de tristeza, de comoção, de dor, quando morrem as crianças. E o resto dos dias? O que estamos fazendo por elas? Nossa empatia e dor até onde vão?

 

Crimes não acontecem da noite para o dia. Violência é um ciclo, é uma forma de dominação, de opressão, e não acontece como um caso isolado. É um grande sistema que se move a partir do que é conveniente aniquilar e do que é conveniente permitir existir. Quando há uma história cuja imprensa aponta uma dicotomia entre o bem o mal, a morte de crianças é sempre o primeiro ponto a determinar quem será o vilão. Mas, não estamos lidando com a ficção, estamos lidando com uma realidade que não é tão simples como num filme de suspense.

 

No Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo, a violência começa a partir das desigualdades sociais, injustiças e da disputa pelo poder. A violência começa quando não reconhecemos o território alheio, quando não respeitamos modos de vida diferentes dos nossos e buscamos excluir tudo aquilo que não se mostra compatível com o que desejamos socialmente. Parece uma análise simples, mas só seria simples se o oprimido não tivesse o sonho em virar opressor, aí, quem sabe aqueles que um dia estiveram à beira de um genocídio completo, percebessem que um território livre evitaria a eterna prisão de ser algozes daqueles que um dia lhe acolheram.

 

Espero que um dia, a humanidade perceba que o olhar para a Infância evitaria todos os conflitos armados ou não, e nos salvaria da barbárie da autodestruição e do olhar egocêntrico para a forma de ver a vida como uma eterna vítima e não como responsável por tanta destruição. Que as crianças indígenas nasçam livres, que as crianças quilombolas cresçam livres e que as crianças palestinas vivam livres, e que todas as crianças do mundo possam sobreviver com dignidade, paz e comida farta no prato, como nas poucas horas em que participam nas festas de macumba.

 

Axé! Bejiró!

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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