Eleições e Propostas Inexequíveis

Em 15/11/2020, cidadãos brasileiros e cidadãs brasileiras exercerão o seu soberano direito ao voto na eleição de Prefeitos, Vice-Prefeitos e vereadores, que irão compor, nos próximos quatro anos, os respectivos Poderes Legislativo e Executivo [normalmente realizada no primeiro domingo do mês de outubro, conforme determinação constitucional, as eleições municipais deste ano de 2020 serão realizadas em 15/11/2020  e em segundo turno, se e onde houver, em 29/11/2020, por causa da pandemia do COVID-19 e por força normativa da emenda constitucional nº 107, de 02/07/2020].

Toda eleição comporta considerações acerca das atuações políticas e a força política que determinadas posições partidárias em mandatos eletivos possam representar, e mesmo a atuação política municipal ganha repercussão e relevância nas discussões políticas de interesse nacional.

Contudo, dentre os diversos aspectos fundamentais que o eleitor deve levar em consideração para efetuar a sua livre e consciente escolha, destaca-se a percepção de que, em cada esfera de atuação, os seus representantes atuarão para exercício de diferenciadas funções públicas e de níveis diferenciados de atribuições, tudo isso de acordo com a sistemática constitucional da repartição de competências federativas e divisão orgânica de funções.

A importância de o eleitor bem se informar sobre quais são os exatos contornos da atuação legislativa e administrativa de seus representantes políticos decorre da necessidade de avaliar com maior rigor e precisão as propostas apresentadas pelos candidatos e seus partidos políticos durante a campanha eleitoral.

No caso de mandatos eletivos em âmbito municipal, é importante indicar – na moldura da organização federativa brasileira – qual é o papel dos Municípios, a ser implementado por via da atuação dos representantes locais do povo.

Com efeito, a competência dos Municípios é expressamente indicada pela Constituição Federal, em seu Art. 30, destacando-se a predominância do interesse local como fator determinante da atuação municipal. Assim, compete aos Municípios, no campo administrativo (ou seja, de responsabilidade política do Prefeito e de sua equipe de auxiliares), “arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei” (Art. 30, III), “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial” (Art. 30, V), “manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental” (Art. 30, VI), “prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população” (Art. 30, VII), “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano” (Art. 30, VIII), “promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual” (Art. 30, IX). Já no campo legislativo (de responsabilidade política precípua dos vereadores, com participação do prefeito), compete aos Municípios “legislar sobre assuntos de interesse local” (Art. 30, I) e “suplementar a legislação federal e a estadual no que couber” (Art. 30, II), além de “instituir os tributos de sua competência” (Art. 30, III).

Mais ainda: a Constituição prevê que, em certas matérias – no espírito de um federalismo de cooperação – os Municípios possuem competências compartilhadas com os demais entes da Federação, tanto na seara legislativa como na seara administrativa [Na seara administrativa, a Constituição dispõe sobre as competências comuns no seu Art. 23 e na seara legislativa, a Constituição dispõe sobre as competências concorrentes no seu Art. 24, delas excluídas, a priori, os Municípios, que porém podem vir a legislar suplementarmente nas matérias de competência concorrente, em caso de lacunas da legislação federal e estadual, presente o interesse local, nos termos do Art. 30, inciso II].

Por último, embora não menos importante, convém apontar que em certas matérias a Constituição já define, com maior precisão, qual é o papel de todos os entes federativos (União, Estados, Municípios e Distrito Federal). Por exemplo, quanto à educação, aos Municípios incumbe atuação prioritária no ensino infantil e fundamental (Art. 211, § 2º). Em segurança pública, a atuação do Município se limita à organização das guardas municipais, às quais compete apenas a proteção de seus bens, serviços e instalações (Art. 144, § 8º), bem ainda, por seus agentes de trânsito, a segurança viária para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas, abrangendo a educação, engenharia e fiscalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente (Art. 144, § 10º da CF, incluídos pela emenda constitucional nº 82/2014), não possuindo atribuição de atuar como se polícia fosse realizando policiamento ostensivo/preventivo [confira, a respeito, o texto “O papel constitucional das guardas municipais”  e também os textos sobre o Estatuto das Guardas Municipais, Partes I, II e Final, publicados em 2014, mesmo ano da entrada em vigor da Lei nº 13.022/2014, que instituiu o “Estatuto das Guardas Municipais” e que teve a sua constitucionalidade questionada em ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Federação Nacional De Entidades De Oficiais Militares Estaduais – FENEME ainda em 2014, mas que acaba de ser extinta sem julgamento do mérito pelo STF, por falta de legitimidade processual da entidade autora para a propositura desse tipo de ação (decisão monocrática de 16/05/2020, confirmada pelo Pleno em julgamento de agravo finalizado virtualmente em 19/10/2020)].

Em ano de eleições, é muito comum, infelizmente, assistirmos à apresentação de propostas que fogem completamente do âmbito da competência do respectivo ente federativo ou das atribuições do Poder correspondente.

Cito exemplos, extraídos de campanhas eleitorais passadas: a) já houve candidato a deputado estadual que propôs, se eleito, apresentar projeto de lei para reduzir o valor do imposto de renda [proposta inexequível, eis que compete à União instituir e cobrar o imposto de renda (Art. 153, inciso III da Constituição Federal), sendo vedado aos Estados e por conseguinte às Assembleias Legislativas tratar do assunto]; b) candidato a Governador que prometeu melhorias no serviço público de coleta de lixo nas cidades, sendo que esse serviço público, por ser de interesse predominantemente local, é responsabilidade e obrigação dos Municípios (Art. 30, inciso V da CF) e não dos Estados, razão pela qual o Governador não pode nele interferir; c) candidato a Presidente da República que prometeu federalizar por completo a segurança pública, sem explicar que a viabilidade dessa proposta depende de aprovação de emenda à constituição federal pelo Congresso Nacional – porque as predominantes atuações estatais em segurança pública são atribuições definidas na Constituição Federal às polícias militares estaduais (policiamento ostensivo/preventivo) e às polícias civis estaduais (policiamento investigativo) – e que o máximo que Presidente da República pode fazer nesse sentido é apresentar a proposta e trabalhar politicamente para que o Congresso a aprove; d) candidato a Presidente da República que prometeu acabar com a corrupção colocando os corruptos na cadeia, sem explicar que essa tarefa não perpassa a atuação do Poder Executivo Federal, mas sim tratar-se de função típica do Poder Judiciário, para a qual o Poder Executivo não pode e nem deve interferir; e) já houve candidato a prefeito que prometeu instituir uma moeda própria no município, diferente da moeda nacional (proposta inexequível, eis que a emissão de moeda é competência da União – Art. 21, VII).

Por mais que essas propostas pudessem ser atrativas, representavam mero engodo, pura demagogia.

Assim, além de obter informações precisas sobre o programa de atuação de cada partido político e seu histórico de atuação, tanto no Poder Executivo como, sobretudo, no âmbito parlamentar, bem como em relação à biografia e às propostas dos candidatos, o eleitor precisa avaliar com maior rigor a efetiva exequibilidade dessas propostas, a luz das competências definidas constitucionalmente.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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