Imunidade Parlamentar e sustação de processo criminal

Causou polêmica a decisão da Assembléia Legislativa, tomada na quarta-feira da semana passada (14/09/2016) por unanimidade de votos dos presentes [estavam ausentes os(as) Deputados(as) Padre Inaldo, Pastor Antônio dos Santos, Georgeo Passos, Luciano Pimentel, Maria Mendonça e Ana Lúcia] e por iniciativa do PEN e do PSD, partidos políticos representados naquela Casa Legislativa, de sustar o andamento de ação penal que tramita no Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, em que são acusados do cometimento de crimes dois deputados estaduais.

Excelente oportunidade para abordarmos, aqui, o tema da imunidade parlamentar formal processual, e isso a partir de comentários efetuados em artigo acadêmico publicado há 14 (catorze) anos, a propósito da promulgação, pelo Congresso Nacional, da emenda constitucional n° 35/2001, que modificou substancialmente o regime constitucional das imunidades parlamentares, em normas da Constituição Federal, de aplicação obrigatória aos deputados estaduais, por força do que dispõe a norma do parágrafo primeiro do Art. 27 ("Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando- se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas").

No dia 21 de dezembro de 2001, foi publicada no Diário Oficial da União e entrou em vigor a Emenda Constitucional nº 35, de 20 de dezembro de 2001, que deu nova redação ao artigo 53 da Constituição Federal de 1988, alterando sobremaneira aspectos do instituto da imunidade parlamentar.

A principal modificação produzida no texto original da Carta Magna, pela referida emenda constitucional, foi a limitação desse instituto, de forma a permitir que o Supremo Tribunal Federal possa prosseguir no processamento de parlamentares, independentemente de licença da sua Casa Legislativa, facultando-se ao Parlamento, por iniciativa de partido político, sustar o andamento da ação.

De acordo com a redação original do artigo 53, o deputado ou senador somente poderia ser processado, pela prática de crime comum, se a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal concedessem licença ao Supremo Tribunal Federal nesse sentido; do contrário, o processo ficaria paralisado até que o parlamentar perdesse essa condição. Tal situação, segundo constatação da sociedade, vinha causando uma anomalia, eis que diversos parlamentares estariam se beneficiando do corporativismo dos seus colegas – que dificilmente aprovavam a licença requerida pelo STF – utilizando-se dessa modalidade da imunidade para proteger-se da ação judicial, mesmo quando envolvesse crimes comuns, em nada relacionados à atividade parlamentar.

A intenção do poder reformador, com a produção da emenda constitucional nº 35/2001, foi clara: alterar o instituto da imunidade parlamentar formal para, restringindo os seus efeitos, evitar que a necessidade de licença prévia da Casa Legislativa para o Poder Judiciário poder processar e julgar parlamentares continuasse servindo como instrumento de proteção de alguns parlamentares contra as devidas e necessárias investigações de crimes comuns por eles praticados.

Por isso, inverteu-se a regra. Se, na redação original da Constituição, o Parlamento detinha a palavra primeira e última sobre os destinos do parlamentar denunciado criminalmente no Poder Judiciário, e o processo somente poderia prosseguir em caso de licença prévia, agora, com a emenda constitucional nº 35, o Parlamento somente possui a palavra final quanto ao assunto, eis que não mais se exige a prévia licença para instauração e prosseguimento do processo. Ou seja, em caso de denúncia de parlamentar, por crime comum, no Poder Judiciário, este não mais precisará solicitar da respectiva Casa Legislativa autorização para o prosseguimento do feito. O Judiciário dará seguimento normal ao processo criminal, apenas comunicando à Casa Legislativa que, por iniciativa de partido político nela representado, e pelo voto da maioria absoluta, poderá sustar o andamento da ação.

Dessa forma, ficou bastante limitada a imunidade formal do parlamentar, eis que será um desgaste político muito grande para o partido tomar a iniciativa de instaurar o procedimento de sustação do andamento do processo criminal no Poder Judiciário. Esse o raciocínio do poder reformador: a sociedade cobrará muito mais desse partido político e do parlamentar processado, em caso de procedimento de sustação do andamento da ação, do que cobrava do Congresso Nacional como um todo a concessão da licença prévia anteriormente exigida.

Garantido estará, então, o fim do uso da imunidade parlamentar formal como instrumento de "impunidade", segundo lugar comum tão utilizado pela media e inspirador do "pacote ético" no qual se incluiu a aprovação da emenda constitucional em análise.

Aqui é importante assinalar que o Supremo Tribunal Federal, após a emenda 35, já deu prosseguimento a processos criminais contra parlamentares – por crimes supostamente praticados antes mesmo de sua entrada em vigor – que estavam à espera das respectivas licenças, uma vez que não são mais exigidas, ou ainda a processos criminais que tiveram negada a licença prévia da Casa Legislativa (Inquéritos nº 1517, decisão de 02/04/2002, e nº 1018, decisão de 23/04/2002). Alcançado então o objetivo pretendido.

Finalmente, cabe dizer que a possibilidade de sustação, pelo Parlamento, do andamento do processo criminal contra parlamentar no Poder Judiciário, somente se aplica, segundo a nova redação constitucional, aos crimes praticados após a diplomação. Assim, o pouco que resta da imunidade formal parlamentar somente se refere aos crimes comuns supostamente praticados pelos parlamentares após o momento da diplomação pela Justiça Eleitoral, ficando o mesmo completamente à mercê do Poder Judiciário em caso de acusação por crime comum cometido antes da diplomação.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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