A resistência da democracia eleitoral

Ainda há muito a avançar em direção a uma democracia material participativa e inclusiva. Porém, na atual conjuntura de reiteradas ameaças à democracia institucional, a realização das eleições gerais no último domingo, sem maiores transtornos a não ser casos isolados rapidamente resolvidos, traduz a resistência da democracia eleitoral.

Com efeito, executar eleições nacionais, sincronizadas, em um país de dimensões continentais e com tantas diferenças e particularidades regionais, com resultados divulgados de forma pública e transparente ainda no mesmo dia, revela o sucesso das eleições periódicas, preservando a soberania da vontade do eleitor que se revela no voto dado na urna eletrônica.

Pode parecer mais do mesmo, mas num momento em que agentes estatais e lideranças políticas insuflam segmentos da população com fake news para desacreditar o sistema já consolidado, seguro e auditado de recepção do voto, a realização de mais uma eleição geral com tanto sucesso demonstra que os agentes do sistema de justiça eleitoral estão preparados e à altura do desafio institucional que lhes foi imposto.

Além disso, demonstra a defesa feita pelo povo, ainda que de forma silenciosa, do seu soberano direito de votar e de fazer livremente as suas escolhas democráticas de representantes para governar, legislar e fiscalizar.

Não estivéssemos em conjuntura tão ameaçadora de ruptura institucional, estaríamos, ao invés de comemorando a resistência da democracia representativa eleitoral, avaliando e refletindo sobre mudanças recém realizadas e que parecem já começar a surtir efeitos no funcionamento do sistema político representativo.

Refiro-me às primeiras eleições gerais (especialmente para deputados federais, estaduais e distritais) com incidência da proibição de coligações partidárias nas eleições proporcionais, somado às segundas eleições gerais com incidência gradual da cláusula de barreira ou desempenho [Confira o que já publicamos sobre esses temas no textos “A proibição de coligações partidárias nas eleições proporcionais”  e “Eleições 2018 e Cláusula de Barreira”].

A próxima legislatura federal já contará com uma quantidade menor de partidos políticos com congressistas eleitos, o que tende a racionalizar os trabalhos parlamentares e a melhor identificar programaticamente cada partido/federação partidária junto ao eleitorado.

Tudo isso além de progressiva extinção dos “partidos de aluguel” e cada vez mais genuína organização partidária (em partidos ou federações) social e politicamente representativa, garantido o pleno funcionamento dos “partidos ideológicos” que não alcançaram a cláusula de barreira (ainda que sem acesso a determinadas prerrogativas como recursos do fundo partidário ou propaganda partidária e eleitoral gratuita no rádio e na televisão).

Preocupações consistentes quanto a uma composição mais conservadora do Congresso Nacional se situam no campo da política democrática, e é nesse palco que devem se desenvolver as lutas que, afinal, serão sufragadas em novas eleições, garantidos os direitos fundamentais das minorias em caso de abusos dessas maiorias eventuais, corolário do Estado Democrático de Direito e que tem na jurisdição constitucional sua maior expressão.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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