(Não)Regulamentada a criação de municípios – Parte Final

A Presidenta da República Dilma Roussef vetou o projeto de lei complementar que regulamenta a criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios.

O veto foi fundamentado na contrariedade do projeto ao interesse público, segundo manifestação do Ministério da Fazenda, por ela acatado como razão de decidir:

“A medida permitirá a expansão expressiva do número de municípios no País, resultando em aumento de despesas com a manutenção de sua estrutura administrativa e representativa. Além disso, esse crescimento de despesas não será acompanhado por receitas equivalentes, o que impactará negativamente a sustentabilidade fiscal e a estabilidade macroeconômica. Por fim, haverá maior pulverização na repartição dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios – FPM, o que prejudicará principalmente os municípios menores e com maiores dificuldades financeiras.” 

Como bem se percebe, a fundamentação é excessivamente genérica. Não foram apresentados dados que permitam aferir as conclusões apresentadas (crescimento de despesas não acompanhado por receitas equivalentes; impacto negativo na sustentabilidade fiscal e estabilidade macroeconômica; prejuízo aos municípios menores e com maiores dificuldades financeiras).

Além disso, o veto desconsiderou que o projeto de lei complementar teve a preocupação de evitar a proliferação de surgimento de novos municípios sem viabilidade autônoma (como ocorreu entre 1988 e 1996, época em que a redação do § 4° do Art. 18 da Constituição Federal dependia exclusivamente da legislação estadual e não impunha realização de estudos de viabilidade), ao regulamentar com detalhes os estudos de viabilidade municipal.

Com efeito, como aqui comentamos na Parte II, o projeto estabelece que os estudos de viabilidade municipal devem demonstrar indicadores objetivos que permitam aferir a viabilidade autônoma, a partir de critérios sócio-econômicos e ambientais, envolvendo população, eleitorado, núcleo urbano, número de imóveis, área urbana, continuidade territorial, receita fiscal, receitas provenientes de transferências federais e estaduais, estimativa das despesas com pessoal, custeio e investimento, prestação dos serviços públicos de interesse local, especialmente a parcela dos serviços de educação e saúde, indicação, diante das estimativas de receitas e despesas, da possibilidade do cumprimento dos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal, levantamento da quantidade de funcionários, bens imóveis, instalações, veículos e equipamentos, necessários ao funcionamento e manutenção dos respectivos Poderes Executivo e Legislativo municipais, novos limites do Município a ser criado e da área remanescente, levantamento da quantidade e tipologia das edificações existentes nas áreas urbanas, levantamento das redes de abastecimento de água e cobertura sanitária, eventual crescimento demográfico, eventual crescimento da produção de resíduos sólidos e efluentes, identificação do percentual da área ocupada por áreas protegidas ou de destinação específica, tais como unidades de conservação, áreas indígenas, quilombolas ou militar.

Ademais, o projeto também estabelece que não será permitida a criação de município se a medida resultar, para o município pré-existente, na perda dos requisitos estabelecidos para a criação de novos municípios.

O veto presidencial, além de desconsiderar solenemente o esforço do Congresso Nacional em finalmente aprovar a regulamentação da criação de municípios com a necessária prudência e equilíbrio, faz tábula rasa da determinação constitucional de que seja possível a reconfiguração da divisão político-territorial em municípios.

Se o Congresso Nacional não rejeitar o veto presidencial, voltaremos à situação que aqui expusemos na Parte I, que é a de que a norma constitucional que admite a criação de novos municípios (Art. 18, § 4º) continue (como está há 17 anos) desprovida de sua eficácia jurídica plena, sendo classificada como uma típica norma de eficácia jurídica limitada, ou seja, a produção integral dos seus efeitos jurídicos está condicionada à elaboração dessas leis que a própria norma constitucional reclama. Isso porque  ela condiciona a aprovação da instituição de novos municípios a uma série de requisitos, dentre eles a determinação, em lei complementar federal, do período possível para que isso ocorra, bem como a regulamentação da apresentação e publicação dos estudos de viabilidade municipal.

E enquanto permanecer a atual redação do § 4° do Art. 18 da Constituição Federal e enquanto não for aprovada e entrar em vigor a já mencionada regulamentação legislativa, de nada adianta a adoção de iniciativas políticas e legislativas no âmbito dos Estados.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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