O 11 de setembro e seu legado para as discussões sobre vigilância

Andrey Augusto Ribeiro dos Santos

Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/UFRJ)

Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/UFS) e do Grupo de Pesquisa sobre Política Internacional (GPPI/UFRJ)

Manifestantes seguram imagem de Snowden durante protesto em frente ao consulado dos EUA em Hong Kong, em 2013. Fonte: Reuters.

 

Em 2021, completam-se vinte anos dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Esses ataques foram perpetrados contra os Estados Unidos pela Al-Qaeda, por meio da utilização de aviões comerciais que foram lançados contra diversos alvos, dentre os quais os mais impactantes foram as duas torres do World Trade Center, localizadas em Nova Iorque, e que foram destruídas durante o ocorrido. Nessa ocasião, cerca de três mil pessoas morreram e a fragilidade daquela que seria a potência hegemônica do século XXI foi transmitida para todo o globo por meio de uma pesada cobertura midiática.

O clamor causado pelos atentados teve como consequência a tomada de uma série de medidas importantes como resposta por parte dos EUA. Em âmbito internacional, esse país promoveu a mobilização de um amplo aparato envolvendo esforços em diversas esferas contra o terrorismo, com a adesão de várias nações, o que ficou conhecido como Guerra ao Terror. A partir disso, vários conflitos foram desencadeados em nome da caça aos terroristas, dentre eles, as invasões do Afeganistão e do Iraque, cujas consequências podem ser enxergadas ainda hoje, como foi visto na retirada de tropas estadunidenses do território afegão e todas as questões despertadas a partir disso.

Outra questão importante trazida à tona pelos efeitos da Guerra ao Terror se referiu aos limites da vigilância executada por governos. Dentro dos EUA, os esforços antiterrorismo se consolidaram principalmente por meio do Patriot Act, uma série de medidas aprovadas imediatamente após os atentados que buscava orientar o combate ao terrorismo em escala nacional. Isso foi responsável por um aumento exponencial no poder de vigilância de órgãos de segurança através de um afrouxamento das restrições legais impostas ao setor, justificado como um meio para facilitar a coleta de informações por parte dessas agências e seu uso na prevenção de atentados.

Doze anos depois, tal liberdade de vigilância deixaria os EUA em apuros, graças à denúncia feita por Edward Snowden, um ex-agente de inteligência que apontou um maciço esquema de espionagem mantido pelos serviços secretos estadunidenses. Segundo Snowden, dados sobre ligações telefônicas, geolocalização, fotos, e-mails e videoconferências de usuários de serviços de empresas norte-americanas, como Google e Facebook, eram coletados e monitorados diariamente sem o conhecimento dos alvos, que incluíam também autoridades de governos estrangeiros, inclusive aliados.

Graças a isso o alcance da vigilância executada por agências dos EUA se tornou motivo de debates e protestos, nos âmbitos nacional e internacional. Figuras do governo desse país, como John Kerry, Secretário de Estado à época, tentaram justificar tais ações como necessárias para o combate ao terrorismo e a prevenção de atentados. No entanto, as pressões fizeram com que pontos relacionados às capacidades de vigilância dos órgãos estadunidenses fossem revistos, com a substituição do Patriot Act pelo Freedom Act, que buscou impor mais limites às capacidades dos serviços secretos do país.

Snowden se tornou procurado pelo governo dos Estados Unidos, e hoje está asilado na Rússia, país no qual obteve uma permissão de residência permanente em 2020. Suas ações foram responsáveis por desencadear um amplo debate sobre privacidade na internet e, por meio disso, é possível perceber mais um impacto presente no mundo atual cuja raiz se encontra nos atentados de 11 de setembro de 2001. Nesse caso, a expansão desmedida de capacidades de vigilância sob a justificativa de combater o terrorismo, junto à denúncia de um amplo esquema de espionagem, acabou fazendo com que as atenções se voltassem para a possibilidade oferecida pela tecnologia para que governos coletem dados e monitorem cidadãos, bem como para os fins escusos que podem ser dados a tais informações.

Um exemplo que remete a essa discussão ocorreu atualmente com o Pegasus, aplicativo de vigilância com capacidade de executar ataques a aparelhos celulares sem a necessidade do clique da vítima, tornando-os praticamente espiões de bolso. A NSO Group, desenvolvedora do programa, afirma que apenas países aprovados podem obtê-lo e que seu objetivo principal é o combate ao terrorismo e ao crime organizado. No entanto, já há evidências de que jornalistas, ativistas e políticos tiveram seus celulares invadidos e monitorados ilegalmente pelo Pegasus em alguns países. Casos como esse, somados ao escândalo denunciado por Snowden, nos fazem refletir sobre aspectos básicos da democracia, como os direitos à privacidade e à liberdade de expressão, bem como até onde é aceitável abrir mão desses elementos em nome da segurança.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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