Seberg e Michel

Uma era linda, belíssima.

A outra nunca posara bonita.

Ambas, todavia, explosivas.

Dir-se-ia que a primeira deslumbrava.

Era um sol nascente louro, que estalava em luz e brilho.

Já a segunda, igual a rastilho de pólvora, nunca exibira um atrativo, por perigo, semelhante.

Não direi que essa última fosse feia, um canhão!, como muitos homens assim o dizem.

A feiura, como a beleza, tem os seus matizes; inexplicáveis!

Em outros ditos canhões, nunca pedirei perdão igual ao poetinha cantor de “Garota de Ipanema”, oitentona agora, que proferiu por prefácio, um posfácio quase epitáfio, a suspeitar falências comuns; de brochuras: “Que me perdoem as feias, mas beleza é fundamental!”.

Seria hoje um dito pouco xistoso, não vivaz, por seboso, mas que posara saboroso, e muito assaz glamoroso, quem não lembra?, porque há homens que em todo tempo, podem dizer tudo, poisando, “charmando” e “charlando”, na graça e no fetiche, sem o azeviche de se exibir mordaz e nodoso; e sem graça!

Por outra via, e sem sorrir, nem porfiar gracejos, direi em outros caminhos, que Jean Seberg, a loura atriz americana, com sua maneira gauche,  francesa, era deslumbrante,  esfuziante e gloriosa.

Poder-se-ia incluí-la entre aqueles que se fariam inesquecíveis como “soixante-huitards” , em prévias daquela geração “babyboom”, nascida após a bomba atômica, tida como utópica, por revolucionária, hedonista e anticonsumista; geração de 1968, ou “sesseta-e-oitense”, palavra que não existe em português para traduzir a rebeldia “Sorbonnard”, da Faculdade Sorbonne, em Paris.

Em vinhaça de costumes e entre exalo de sabores, Jean Seberg desfilava a olorosa moda de então, sem nunca denunciar os eventuais e comuns assédios morais, profissionais e/ou sexuais, hoje tão vilipendiados pela cultura Woke.

Estrelando Joana D’Arc em “Santa Joana” (1957) o filme notável de Oto Preminger (1905-1966), Seberg fazia questão de se amostrar despossuída de preconceitos outros, e dos eventuais melindres fofinhos tão comuns a variegados “enfant gâtés”, sempre engasturados e nunca ausentes no noticiário, alegrando os rotineiros e saltitantes formadores de opinião e colunistas, deletérios mais das vezes, a fingir inocência, bom-mocismo e independência, em seus comentários venenosos, por piores, e indecentes, estes que os franceses costumam inserir como “préjugés”, eivados de peçonha e preconceito.

Se o tempo não mais é de “nouvelle vague”, Jean Seberg, uma mulher, belíssima e desejadíssima, embebedava a imprensa que a seguia, no bamboleio de seu rebolado, mídia que então, não nutria qualquer paixão pelos comuns assédios de ocasião, como se estes nunca existissem nem lhe chamassem qualquer atenção.

Naquele tempo, um tempo bem comum no uso do sofá enquanto estágio de vantajosa e rentosa carreira profissional de estrela de cinema, ninguém se motivava com os devaneios atuais, de denúncias excedentes, em “Metoo”generalizados, mundo afora.

Era um tempo em que as pessoas se orgasmavam com o que transparecia nas alcovas dos estúdios, quem com quem, a suscitar o especulo, a lascívia e a imaginação.

A fantasia só não permitia, o romance em permuta de fluidos e sabores: interraciais.

Pensar uma loura como Seberg, “casada ‘à francesa’”, com um francês, Romain Gary, ousando exibir a tremenda heresia de uma mancebia extraconjugal; “adulterina”, como se dizia então, e vir daí uma gravidez concebida com um negro, Raymond Hewiti, ele casado também, e por pior, simpatizante ou pertencente ao Partido dos Panteras Negras (BPP), virou o maior escândalo americano

Um alvoroço tamanho que tudo valeu para lhe destruir a reputação, via escutas clandestinas, filmagens e violações de sigilo, o diabo sendo conduzido pelo Federal Bureau of Investigations, o FBI, em nome da segurança nacional americana, departamento de estado então sob o comando de J. Edgard Hoover, em feito senão referendado, restado consentido, pela imprensa.

Em novo tempo e longe dos sofás onde as atrizes pagavam por seus papéis, quando não mais existiam Malkom X, o BPP, o sonho comum sonhado por Luther King, John e Robert Kennedy, tudo tinha sido, à bala abatidos, inclusive a Guerra do Vietnam já restara encerrada e perdida, eis que surge um novo escândalo, pior que os excessos curtidos em Woodstoke: o escândalo Watergate.

Seguiam-se novos tempos, novas bisbilhotices, dessa vez cometidos por alguns, ditos  aloprados, flagrados tentando implantar escutas telefônicas no escritório de campanha do candidato a presidência americana, George McGovern, do Partido Democrata no Edifício Watergate, em Washigton.

É quando surge outra loura, não bonita como Seberg, mas queridíssima pela imprensa, por falar demais, pelos cotovelos, como costuma dizer-se ainda.

Martha Michel era essa outra loira, explosiva e calamitosa como pólvora a procura de rastilho.

Martha era a alegre e espirituosa esposa de John Michel, procurador geral e amigo de longa data do Presidente Richard Nixon, envolvido o tanto, ou quanto, especula-se bem mais, e que derrubou um governo eleito, em expressiva votação, como um castelo de cartas de baralho.

Baralhos à parte e muitas folhas de jornal hoje esquecidas, Jean Seberg e Martha Michel  restaram consumidas, devoradas e trucidadas pela mídia, em  feito comuns aos tempos iguais em que vivemos, em excesso de polarização política, busca de repasto de hienas e em total ausência de seriedade.

Mas, o que vem a ser seriedade, se o que impera mesmo é o ibope que se consegue, por pura venda de um sabonete que não perfuma nem lixivia?

Por acaso o engano não é o pasto mais que predileto no desembesto de uma “galera”?

“Se o feio é perder”, como dissera um dia Paulo Maluf, aquele no qual se cunhou um verbo desusado, por azado; malufar”,  com VAR ou sem VAR, gol de mão, ou via  offiside, alguém execra o impedimento não marcado, quando o gol chega assim imerecido?.

Não vinga melhor a história acabando assim, contando o fato só para dizer apenas, que entre o mito e o feito, melhor remata tudo, quando se publica a fantasia, tornando-a real e legítima enquanto entreato verdadeiro?

Nesse mundo aquém da orbe lunar, muita gente exerce os seus miseres para tudo falsear e depois voltear a história.

Nesse ponto, quem tem um bom photoshop a inspiração e o devaneio, pode aplainar as sóbrias crateras da Lua e até calafetar as próprias rugas de Marte.

Porque a “galera”,  na mesma síndrome do antigo poleiro circense, a “galera” sempre agradece.

Não é assim que se ajuntam “geraldinos” e “arquibaldos”, para jogar sem dulçuras nem ternuras os bagaços das chupadas laranjas na torcida adversária?

E que não se diga diferente, porque nessa guerra não há santos.

Foi assim também com Jean Seberg, e Martha Michel, cujas histórias foram lembradas pela Netflix em dois filmes que assisti e recomendo àqueles que desejam se afastar dessa polaridade Bolsonaro x Lula, cujo noticiário empesteia o livre pensar dos comuns mortais, querendo desfazer a cabeça do eleitor, antes mesmo da eleição acontecer.

Nesse contexto, em dúvidas crescentes de uma eleição já propagandeada como desnecessária, por que nos obrigar a votar se o Datafolha afere tudo melhor, e sem usar urna eletrônica?

Mas voltemos às louras Jean Seberg e Martha Michel

Nascida em 1938, e falecida em circunstâncias misteriosas em 1979,  Jean Seberg podia estar viva ainda como suas colegas: Brigite Bardot, (nascida em 1934), Sophia Loren (1934), Jane Fonda (1937) e Anouk Aimée (1932); só para citar algumas estrelas que longevas permanecem a ensejar lembranças.

Martha Michel, nascida em 1918, faleceu em 1976, esquecida do glamour de uma vida tumultuada nos entornos da Casa Branca, do Governo Richard Nixon e do Caso Watergate.

Jean Seberg, depois de estrear “Santa Joana” , como dito, em 1957, onde queimou o abdome em cena real, fez “Bom Dia, Tristeza”, do assaz terno romance de Françoise Sagan, em 1958, e “O Acossado”, entre outros.

Em 1960, envolveu-se com o movimento negro americano, num período em que a discussão dos direitos civis polarizava a sociedade Yankee, então vivendo os estertores da Guerra do Vietnam, o assassinato dos líderes Martim Luther King , Malcom X e Robert Kennedy, o Musical Hair, o movimento Hippie, Woodstock , as agitações “soixante-huitard” da Sorbnone, na França.

Tudo que hoje é história distante em que se gritava nas ruas: “Il est interdit d’interdire!”  É proibido proibir! Tempo em que eu daqui era estudante da nascente Universidade Federal de Sergipe, onde muitos provocaram e conseguiram arrefecer a nascente abertura política, desafiando a sonsa bonomia do General Costa e Silva, provocando-o enquanto cobra em vara curta, no seu gabinete em Brasília, e aí a história revirou, o ano de 1968 descambando como de continuidade do Regime Autoritário Militar, revigorado por quase duas décadas ainda, só para dizer que muitos erros aconteceram, por culpa de alguns que não se creem assim.

Inclusive, porque esses “soixante-huitard”, daqui e de fora, eu incluído, viramos matéria de estudo, a não ser repetidos.

Que o digam Jean Seberg e Martha Michel que findaram esquecidas, abandonadas, inservíveis mesmo, pelo que fizeram e ousaram, tentando mudar o mundo e dele fugindo, sem se contemplar no reflexo do espelho.

As duas louras, todavia, merecem ser visitadas nestas fitas da Netflix, sobretudo “Seberg contra todos”, de 2019, estrelado  por Kristen Stewart, sob a Direção de Benedict Andrews.

Destaque-se nesta fita uma frase de maior valia aos que usam a mídia para se promover; uma admoestação que bem valeria também para Martha Michel, a falastrona que derrubou um governo. “A imprensa não é seu animal de estimação, um seu brinquedo. Se você os provocar, eles vão se virar e morder você”.

É terrível, mas a vida é assim: “todo rolete de cana tem o seu dia de bagaço”.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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