Sem charlar em Nova York

Charlando em Nova York. Sempre que posso, costumo viajar. Sair pelo mundo. Conhecer novas civilizações, outros povos. Conferir se é verdadeira a nossa fama de ser um povo cordial por excelência. Ousar descobrir o que acontece bem além da nossa caverna platônica e pessoal. O mito da caverna de Platão não só encandeia, como emascula o pensamento. Impede até a ousadia do ser restringindo-o a limites cada vez mais exíguos. Sair da caverna acomodatícia é, para mim, um desafio que procuro vencer, mesmo em caminhada arrefecida por setenta anos, a completar neste 17 de julho; eu que nasci no dia 17 do sete de 1947. Uma data bonita: sonora e canora em cascata. Estou completando, portanto, soixante-diz ans , como dizem os franceses, que daí para frente contam de maneira composta, só para dizer que são sessenta anos mais outros dez, e não apenas setenta, como fazem os outros idiomas cidentais. Se sessenta anos é uma idade que o indivíduo se senta, setenta anos é uma idade em que se tenta chegar. Isso porque muitos não atingem. Algo que ninguém explica a contento. É algo inerente ao riso e à lágrima. Coisas da vida, ou como diria minha professora de Francês, Glorita Portugal, que completaria cem anos no 27 de junho que passou: “Les choses sont comme-ça , mon amie !” Falando de idade, há uma piada que inquire. “Qual a diferença entre um homem cansado e um bom negócio?” Dez é a resposta. Um homem cansado se senta e um bom negocio se tenta! Se aos sessenta resisti exibir cansaço para me sentar e deixar a vida passar, não pretendo realizar nenhum negócio, nem bom, nem muito bom. Agora seria ruim e eu o desprezo. Quero ler, escrever, dormir como um rei, com minha rainha amada, a Tereza minha que perfuma o meu leito e me deleita, quarenta e quatro anos de afagos e carinhos permutados sem arrefecimentos nem parcas apetências. Ela que é minha melhor companhia. Quero também curtir os filhos que quis ter e Deus nos deu, e os netos que sorriem no meu derredor. Não há coisa melhor que neto e já tenho quatro; três varões é uma bela garota. Sabidos danados. O mais velho gosta de ler. Está derrubando o Dom Quixote das Crianças de Monteiro Lobato. O segundo, com seis anos gosta dos Minions e de desenhar. O terceiro, com quatro anos, tem ótima pronuncia no inglês, sendo repetido pela irmãzinha com dois anos. Estas são as grandes alegrias da senectude, louvando a vida e ao Deus que alegra a minha juventude. “Ad Deo qui laetificat juventude mea”, como rezava a introdução da Missa, no meu tempo de Colégio Brasília e das Professoras Helena Barreto, Alaíde Oliveira e Lourdinha que me ensinaram a ler e escrever. Dona Lourdinha que restou em minha memória porque me deu um prêmio por ter escrito a melhor redação da classe. Viver para poder enaltecê-las e a outros como Normélia Melo e Zamor, Jugurta, Gileno, Lourdes, Feijó, Prof. Sérgio de desenho, Gesteira e Joaquim de Matemática e tantos outros do Colégio Jackson de Figueiredo, do casal Benedito e Judite Oliveira. Professores do Atheneu, Délia, Leda Cristina, Rosália, Thetis, Leão, Janira e Lobão. Meus professores da Escola de Química, Leónidas Tancu, um sergipano nascido na Romênia que Sergipe esqueceu, mas que ficou como meu mestre inesquecível. E outros também como José Américo de Azevedo, Carmem Barreto, Leda Andrade, Lopes Gama, só para falar dos que não estão mais entre nós. Mas eu quero falar de minha viagem a Nova York e não rememorar saudades. Como eu disse, viajo para estender limites, como os amigos João e Olga Barreto que vão agora, no mesmo vôo a São Paulo, Tereza e eu a Nova York e eles a Paris a cidade luz. Vão comemorar os sessenta anos de casados. Agradecer a Deus que os ajudou a encontrarem a felicidade. Eles em Paris, e Tereza e eu na Broadway . Iremos brindar a vida, e não “charlar”. Escrito via iPhone no vôo para Guarulhos como escala para NYC.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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