Sem Guerra de Esquerdas, mas com muita sacanagem.

Em entrevista concedida à jornalista Eugénie Bastié, do Le Figaro, edição de 13 de abril, o escritor Kévin Boucaurd-Victoire, autor de “La Guerre des Gauches”, ou “A Guerra das Esquerdas”, apreciava as prévias do primeiro turno da eleição francesa acontecida no domingo que passou.

O título da entrevista destacava: “Esquerda alternativa, esquerda jacobina, esquerda liberal: irreconciliáveis, verdadeiramente?” (Gauche alternative, gauche jacobine, gauche libérale: irréconciliables, vraiment?)”

Alternativas de Esquerda: Mélenchon, Hamon e Emmanuel Macron: Esquerda Insubmissa, Esquerda Socialista e a nova Esquerda Liberal.

Encimando a matéria estavam as fotos de três candidatos à Presidência Francesa: Jean-Luc Mélenchon, Emmanuel Macron e Benoit Hamon, como se fora as três alternativas destacadas.

Em verdade, tal escolha não representaria o espectro total da esquerda francesa, afinal no primeiro turno da eleição apresentaram-se nove dos onze candidatos, afirmando-se como tal, e exibindo sua penetração no eleitorado a saber, conforme infográfico de l’Humanité.fr.

Excluídos os candidatos Marine Le Pen, do execrado movimento de “Extrema Direita ‘Front National’”, com 21,53% dos votos; e François Fillon de “Les Républicains, da auto afirmada Direita, ou Centro-Direita, com 19,91%.

Resultado do 1o Turno Eleitoral

Alistam-se como pertencentes à “Gauche” os nove candidatos restantes: Emmanuel Macron do movimento “En Marche”, com 23,75% dos votos: Jean-Luc Mélenchon de “La France Insoumisse”, com 19,64%; Benoit Hamon, do “Parti Socialiste”, com 6,35%; N. Dupont-Aignan, do “Debout La France”, com 4,75%; J. Lassalle, do “Resintons”, com 1,22%; P. Poutou, do “Nouveau Parti Anticapitaliste, com 1,10%; F. Asselineau, da “Union Populaire Républicaine”, com 0,92%; N. Arthaud da “Lutte Ouvrière”, com 0,65%; e J. Cheminade, do “Solidarité et Progrès”, com 0,18%.

Perplexidade do noticiário mundial.

O noticiário está a dizer que, por suprema insatisfação deste estuário de esquerda, classificaram-se para o segundo turno dois candidatos que lhe não seriam tanto do agrado.

O primeiro colocado, Emmanuel Macron, egresso do governo socialista que finda, e do qual foi Ministro da Economia, seria de uma  “sinistra ma non troppo”, algo como uma esquerda moderna por liberal e charmosa, e assaz flexível à economia de mercado.

Macron seria de uma “esquerda liberal”, para empregar nominação dada por Kévin Boucaurd-Victoire, autor de “La Guerre des Gauches”, em sua entrevista ao “Le Figaro”, citada acima.

Emmanuel Macron e Marine Le Pen, os dois finalistas para o turno final da eleição francesa.

Já o segundo colocado, Marine Le Pen, está a reeditar a grande derrota das esquerdas francesas, acontecida em 2002, quando François Chirac, reelegeu-se para um segundo mandato derrotando Jean-Marie Le Pen, pai de Marine, sem chance para as esquerdas, que não conseguiram naquele pleito atingir o segundo turno eleitoral.

Naquele ano, quinze anos passados, o mote da campanha era: “Votez escroc, pas facho!” (“Vote no escroque, não no fascista!”).

Chirac era considerado um verme, enquanto Jean-Marie Le Pen propagava uma ideologia tida como racista, e adepta à pena de morte.

Agora o debate retorna com Macron e Marine Le Pen, e logo surgirão as escaramuças eleitorais, afinal o pensamento de Marine é mais sensível à memória histórica francesa e seus valores tradicionais, algo que está a dissolver-se, afinal o ingresso e permanência na União Europeia, tão caros ao resto do mundo, gradativamente vem promovendo uma “desfrancisação” da França, tornando-a um simples componente de uma federação de Estados interdependentes. Uma espécie de unidade federativa dos Estados Unidos da Europa.

Quanto a Macron, um economista jovem, 39 anos apenas, idade de meus filhos, deseja construir um novo “avenir” francês, sem arroubos gaullistas ou napoleónicos. 

Quer evitar os infortúnios de Verdun e Somme.

Não deseja rever o filme das tropas de Hitler desfilando na Étoile, nem relembrar o eco dos arrotos de Bismarck nos salões espelhados de Versalhes.

Mas, a despeito desta nova polarização, vejo o velho sendo escanteado pelo jovem, uma sábia lição que os homens deveriam bem aprender por inexorabilidade da vida. Uma aprendizagem, mesmo que seja à cacete, ou no porrete, sem dó e pena.

Só não mate os velhos, por melhor reforma “temerária” das aposentadorias! Não!

O velho precisa viver para curtir os netos. Eles é que são o futuro da humanidade.

Mas, a despeito desta guerra insólita entre o que foi e o que não se crê ter ido ainda, as esquerdas se fragmentam em definições terríveis para esclarecimento do bom senso e da modernidade.

Da esquerda liberal, sabe-se que Macron se postula representar agora.

Talvez seja um novo Tony Blair, trabalhista e tão liberal, que a Todos espantou com sua defesa de um trabalhismo moderno, distanciando-se sobremodo do tão sonhado estado de bem estar social.

Igual ao nosso Fernando Henrique, o senador guru das esquerdas embasbacadas, que no governo abjurou o que escrevera, e virou tão privatista, quanto posara de radical socialista, ou seja; coisa de “Luzia e Saquarema”, os nossos heróis sob o “Nambu”, Pedro II.

Mimetismos camaleônicos à parte, as esquerdas trazem consigo um ideário de tolerância motivado por belos discursos.

Elas nascem com as “Lumières”, o movimento das luzes; os enciclopedistas, os pensadores, ensaístas e filósofos, críticos do “ancien regime” e dos privilégios de nobreza e clero.

Neste contexto, as esquerdas estão ligadas às ideias de justiça, progresso, individualismo, soberania do povo, liberdade e igualdade, temas partilhados hoje também pela direita, afinal o que as afastam sobremodo é a metodologia para alcança-los; uns crendo que seja possível mediante a luta de classes, e outros por parcimoniosa reforma do Estado. Pelo menos é assim que permeia o debate político-eleitoral.

Segundo Boucaud-Victoire, só houve uma união das esquerdas francesas a partir de 1899, cem anos após a Queda da Bastilha, quando todo espectro da gauche se reuniu no Caso Dreyfus, em defesa do da inocência daquele soldado e para “proteger a República de uma tomada de poder pela direita ‘antidreyfusarde’,   monarquista e clerical”.

Além deste momento, aconteceram posteriormente duas uniões; uma em 1924 com o “Cartel des Gauches”, e outra em 1936, com o “Front Populaire”, experiências fugazes, reveladoras de uma série agitada de políticas equivocadas que culminaram com sucessivas quedas de gabinetes ministeriais, o enfraquecimento da França, enquanto nação, e sua terceira derrota frente aos alemães, invadida agora pelos exércitos nazistas.

Se hoje a “esquerda liberal” é bem deglutida e tem no postulante Macron, como seu provável cavalo vencedor, há também  a “esquerda jacobina”, inspirada em Jean-Jacques Rousseau e Robespierre,  que defende a República una e indivisível, e o laicismo, enquanto religião civil.

Desta “esquerda jacobina”, fala ainda Boucaud-Victoire, citando o Dicionário da Revolução Francesa de François Furet e Mona Ozouf.

A esquerda jacobina prega: “A indivisibilidade da soberania nacional, a vocação do Estado para transformar a sociedade, a centralização governamental e administrativa, a igualdade dos cidadãos garantida pela uniformidade da legislação, a regeneração dos homens pela escola republicana, e simplesmente o e o orgulho patriota da independência nacional.

Uma esquerda com uma certa visão social ao estilo Georges Clemenceau, político destacado do início do século XX com acenos liberais, nunca, porém, blaterando uma orientação anticapitalista.

Esta esquerda não seria socialista, muito menos comunista, embora talvez o seu melhor representante no 1o Turno tenha sido Jean-Luc Mélenchon, da Front de Gauche, com o grupamento “La France Insoumise (FI), ou a França insubmissa.

Quanto a esquerda socialista, não mais possui a radicalidade de Gracchus Babeuf, e seus ideais de justiça, igualdade e liberdade. Babeuf, que nunca se pensou “socialista”, comandara raivosos radicais, cujas cabeças foram decapitadas tardiamente em 1797, em plena reação Termidoriana.

Esta esquerda socialista, segundo Boucaud-Victoire, só adquiriu tal denominação, tempos depois com Pierre Leroux, que a definiu como doutrina que jamais sacrificaria qualquer um dos termos da formula Liberdade, Fraternidade, Igualdade e Unidade, conciliando-os todos.

Um lema que se dividiu entre ‘Reformistas’, como Louis Blanc e Jean Jaurès, que não pregavam a revolução, ‘Coletivistas’, como Auguste Blanqui e Paul Lafargue, que rejeitavam a propriedade privada, e ‘Libertários’, como Pierre-Josephe Proudon e Louise Michel, que concedem uma importância primordial à liberdade e à autonomia individual, esquerda que rejeita o sistema mas sem se autoconsiderar socialista”.

Algo tão difuso como o Candidato do Partido Socialista de François Hollande, Benoit Hamon, que ficou em 5o lugar nas prévias do 1o Turno com 6,35% .

E mais difuso ainda, aquele que ficou em 1o Lugar, Emmanuel Macron, com o movimento “En Marche”. o finalista que irá concorrer com Marine Le Pen o turno final das eleições em 7 de maio próximo.

Como há uma variegada divisão da esquerda francês, o resultado desagradou sobremodo e há protesto de jovens e muita insatisfação.

Quanto a nós, todos somos de esquerda no ideário político nacional.

Longe de qualquer ideologia, aqui ninguém perde a cabeça, nem há guerras de esquerda.

Em sacanagem ampla, geral e irrestritamente disseminada, todos e todas roubam à vontade!. É só procurar um delator premiado!.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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