A encruzilhada da resistência social-democrática

Finalizamos o texto publicado na data de 25/07/2019 (“Capitalismo e democracia”) com a seguinte conclusão:

“O mais grave é que enquanto a democracia formal vai sendo gradativamente corroída sem que nos apercebamos disso com clareza, as políticas econômicas e sociais regressivas vão sendo implementadas a passos rápidos, revelando mais uma vez que o poder econômico inerente ao capitalismo convive com a democracia e com o Estado de Direito enquanto lhe convém, mas convive muito bem com rupturas democráticas e regimes autoritários explícitos ou dissimulados, sem nenhum pudor ou constrangimento, quando a conjuntura indica essa possibilidade como mais adequada ao atendimento dos seus interesses”.

Pois bem, de lá pra cá, a escalada de declarações estapafúrdias e absurdas do Presidente da República Jair Bolsonaro – com ofensas graves a instituições, à democracia, ao direito à memória e à verdade histórica, aos direitos humanos de um modo geral, à liberdade de imprensa e expressão – somente aumentou, até gerando reações de importantes segmentos da sociedade civil.

Contudo, enquanto são parcialmente toleradas essas agressões à democracia e ao Estado de Direito, a pauta econômico-social regressiva avançou com muita velocidade e intensidade.

Com efeito:

1 – A Câmara dos Deputados aprovou em segundo turno a proposta de emenda à constituição nº 6/2019 (“Reforma da Previdência”, que chamamos de Contrarreforma da Previdência), que estabelece draconianas mudanças nas regras de acesso aos benefícios (preenchimento dos requisitos para conseguir se aposentar) e de valores dos benefícios a receber, quando da aposentadoria; ao mesmo tempo, avança também a articulação para rápida aprovação da PEC no Senado Federal, bem com a apresentação, pelo Senado Federal, de uma “PEC paralela”, para reincluir a modificação do modelo de Previdência Social, do regime solidário entre gerações de repartição simples (os atuais trabalhadores da ativa com suas contribuições financiam o pagamento das aposentadorias dos trabalhadores aposentados e assim ciclicamente) para o regime de capitalização, em que cada trabalhador é empurrado a investir o seu futuro em fundos de contribuição definida e benefício ao sabor dos humores do mercado financeiro, em evidente propósito de abrir ainda mais o direito à aposentadoria aos mercados como fonte de exploração e acumulação de riqueza.

2 – Avança para aprovação e conversão em lei, no Congresso Nacional, a Medida Provisória nº 881/2019, que ficou conhecida como a MP da “Liberdade Econômica”, e que, nos termos da sua própria ementa, “Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado, análise de impacto regulatório, e dá outras providências”, uma verdadeira ode à livre iniciativa, mas que se esquece do mandamento constitucional de compatibilização da livre iniciativa com os valores sociais do trabalho (“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […] IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […]”);

3 – Avança a implementação do “Future-se”, programa governamental que nada mais é do que a terceirização da pesquisa científica universitária, levando a lógica empresarial para a realização de pesquisas científicas pelas universidades públicas, mediante a contratação de “Organizações Sociais” para a sua realização, ferindo gravemente a autonomia universitária e a independência das pesquisas em relação aos interesses do mercado.

Enquanto isso, a resistência social democrática se divide, perplexa e atônita, em concentrar os seus esforços na reação à barbárie e defesa das instituições democráticas ou na resistência ao avanço galopante da pauta de retrocessos socioeconômicos …

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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