Ainda a Festa do Oscar

A Festa do Oscar foi domingo, 9 de fevereiro.

O filme brasileiro, “Democracia em Vertigem” da cineasta Petra Costa, não ganhou o prêmio que concorria, o de melhor Documentário.

Não posso dizer se isso foi merecido ou não. Não assisti os outros concorrentes. Só assisti o filme de Petra.

A julgar pelas vésperas da festa, houve uma tentativa de aguardar a premiação, convocando-se a alma nacional em travas e chuteira, como se fosse uma reivindicação a ser torcida em unanimidade.

Mesmo com muita torcida, não deu!

Se desse, na segunda-feira talvez houvesse ponto facultativo nas repartições e sindicatos, e o povo reunido, tentaria gritar o olê-olá esquecido e espinafrar Bolsonaro como melhor objetivo.

Relembrado ficou porém, o caos velho bem conhecido, e que nunca deveria ser olvidado, o dos alagamentos repetidos a todo fevereiro em São Paulo.

Assim, eis de novo os paulistanos se afogando, não por causa de Bolsonaro, mas por incúria de seus governantes, que não conseguem resolver esse problema que causa dano maior a sua megalópole, evidenciando que as soluções paulista tem sido piores.

Como de pior a pior, igual à cantiga da galinha, tudo volta e ninguém lembra, quando o sol vige a pino e a poeira encanta.

Encantos de gesta à parte, a premiação do  Oscar continua uma beleza; um desfile de atores e atrizes lindas, muitas cores e risos.

Falando agora dos filmes concorrentes, o “Vertigem” de Petra, me pareceu, tenho esse direito, excessivamente parcial, jamais isento por documental.

Neste particular de contornar o factual, ousando mudar o feito, refazendo-o em melhor jeito, valia melhor o falseio de toda a recente História nacional, para utilizá-la comicamente e caricatural, como o fizera Quentin Tarantino, ressuscitando Sharon Tate, belíssima e saudável, com direito a uma inverossímil piscina inflamável por cenário, onde só a fantasia hollywoodiana poderia imaginar ideal obituário para Charles Mason e sua gangue, torrados em plena chama.

Trevas e chamas à parte, o “Vertigem” de Petra não se queria assim.

Ali a versão  precisava refazer a História, não para construir um obituário de um herói ou contraventor, mas um seu santuário, em pesponto e novo reconto, afinal quem conta um conto, sempre pode acrescer novos pontos a seu favor.

Divagando um pouco, direi que no contexto de realidade e versão, “The man who shot Liberty Valance” (O homem que matou o facínora) de John Ford, imortalizou em 1962 a célebre frase: “Aqui no oeste, quando a lenda precede os fatos, publicamos a lenda”.

Naquela versão, o facínora vivido por Lee Marvin tido como morto pelo senador Ramson Stoddard, vivido por James Stewart, em verdade fora fulminado por Tom Doniphon, o cowboy interpretado por John Wayne.

Em minhas interpretações e comparações abstrusas, estaria o filme de Petra querendo em múltiplas vertigens que o facínora terminasse matando o herói?  Fica a minha pergunta sem querer ferir outras interpretações.

“O Irlandês”, o grande filme de Scorsese

Como de interpretação vive o cinema, direi que para mim, marcou-me mais o filme “O Irlandês” (The Irishman), saga americana da morte e desaparecimento do sindicalista americano Jimmy Hoffa, contada segundo a versão contida no livro de memórias do investigador e advogado Charles Brandt, “I Heard You Paint Houses” (Eu soube que você pinta casas) de 2004.

Jimmy Hoffa era uma lenda viva americana. Ele foi o idealizador do “Teamsters” o sindicato dos caminhoneiros dos Estados Unidos, que entre 1932 e 1975 afiliou cerca de 1,5 milhão de motoristas liderando grandes greves que paralisaram aquele país.

Metido com negócios ilícitos, Hoffa conseguiu se safar das acusações do procurador Geral Robert Kennedy, mas terminou condenado, tendo que cumprir pena por alguns anos em regime fechado.

Depois de cumprir sua condenação por fraude e tentativa de suborno, Jimmy Hoffa tentou recuperar o seu sindicato mas foi “sumido”, misteriosamente, em 1975, e seu cadáver restou jamais encontrado, igual ao de Elisa Samúdio, a mulher do goleiro Bruno do Flamengo, e de Dama de Teffé, a socialite carioca desaparecida igualmente nos anos 1950.

O filme de Danny DeVitto.

Em 1992, foi lançado o filme biográfico “Hoffa”, dirigido por Danny DeVitto.

Naquela fita, Jimmy Hoffa foi interpretado por Jack Nicholson, cuja vida era contada pelo seu chofer Bobby, vivido por DeVito, ambos fuzilados no final, tendo o automóvel em que ambos viajavam servido como ataúde, sendo levado por um grande caminhão pertencente ao “Teamsters”, o seu sindicato.

Na película de DeVito os cadáveres de Hoffa e de Bobby sumiram com o automóvel, tudo permanecendo num mistério; desses mistérios convenientes a todos.

Dizia-se, em muitas estórias que Hoffa jazia nas profundidades do oceano ou num grande pilar de concreto de qualquer pujante edifício americano.

Agora com Al Pacino interpretando Hoffa, Joe Pesci fazendo o mafioso Russel Bufalino, e Robert de Niro, como o “pintor de paredes” irlandês Frank Sheeran, nova história é contada.

Seria tal versão definitiva, por verdadeira?

Há quem diga que não, e o mistério continua.

Diferente da ficção de Tarantino e da versão de Scorsese, o filme de Petra revela, enquanto documentário distorcido, uma tentativa de ousar mudar a história nacional, num contorcionismo estranho, que talvez zoasse mais gracioso, e menos patranho, se o desfecho fizesse o real parecer irreal, prevalecendo o surreal ensejado, qual seja: os vilões sendo remidos, as provas e oitivas adulteradas, o Estado ressarcindo a todos; corruptos e corruptores, os mocinhos estrangulados por vis garrotes necessários, como se o facínora matasse o herói, por melhor final.

Se “Vertigem” é um documentário que se queria verdadeiro e não uma falsa versão, mas vale ainda a ficção de Tarantino, ressuscitando Sharon Tate,  que não está a carecer contraponto ingente em urgente edição de errata.

Erratas à parte, melhor se saiu Martin Scorsese dando a sua versão da morte de Jimmy Hoffa em “O irlandês”; se não localizou o cadáver, deu-lhe cinzas como destino, sem falar que inseriu duas lições imperecíveis, com heróis e vilões longevos apodrecendo no leito de morte: A 1ª; “Nos Estados Unidos até um Presidente pode ser assassinado e restar impune”. A 2ª; “Um grande líder sindical merece ser morto quando estiver incomodando por má serventia”.

Quantos aos outros premiados, poderia dizer alguma coisa sobre o “Coringa”, notável  interpretação de Joaquin Phoenix, reflexão cruel sobre a condição humana perante o sofrimento, o menosprezo, o bullings, que sofremos e realizamos. Um Coringa diferente; seria um herói? É diferente do anti-herói do Batman, aquele já vivido por Jack Nicholson. É um coringa que desperta sentimentos humanos de compaixão, de ternura em seu sofrer.

Para terminar desejo falar de filmes que não assisti: “1917” e  “O Parasita”, do coreano Bong Joon-ho, o grande premiado da noite com quatro estatuetas.

 

Erich Maria Remarque autor de “Nada de Novo no Front Ocidental”.

De “1917”, direi que o grande livro sobre a 1ª Grande Guerra é “Nada de novo no front ocidental”, de Erich Maria Remarque, lido na minha adolescência, descrevendo o amplo lameiro das trincheiras, sem heróis e só resistência.

Quanto ao “Parasita”, compreendo a sua ampla premiação na festa do Oscar, por um fato constatado por Alan Bloom quando escreveu “O Cânone Ocidental” e o descrito por Reanaud Beauchard num recente artigo no Le Figaro.

Os Estados Unidos vivem um momento de excessiva preocupação dita “politicamente correta”.

Neste sentido há uma verdadeira ojeriza nas Universidades Americanas ao estudo de obras  de Shakespeare e Milton, por excessiva releitura em que são encontrados fiapos de racismos, de menosprezo a minorias, ditas perseguidas, ao longo da História.

Livros como “Huckleberry Finn”(1884) de Mark Twain, por exemplo, estão sendo banidos dos cursos de Artes, tidos como racistas, porque utilizam a palavra “N”, representando depreciativamente por “Negros”, os afro descendentes.

Até o autor da “Declaração de Independência”, Thomas Jefferson, cujo nome pertence aos pilares da Universidade Americana, como um dos “Pais Fundadores” daquela nação tem sido execrados por mancebia com sua escrava Sally Hemings, engravidando-a sucessivas vezes como se fosse u percussor de Harvey Weinstein o produtor cinematográfico que abusava de dez entre dez estrelas de cinema.

Afora isso, há hoje uma obrigatoriedade de modificar os programas de estudo de História enfatizando a contribuição da comunidade LGBTQ+, das minorias étnicas, incluindo temas  honrando o “Black Lives Matter” (vidas negras importam), feriados sendo decretados em apelo à greve das mulheres como o “Day Without Women”, tudo contra a administração Trump e seu “America First”.

Assim, foi para mim compreensível a premiação de um filme coreano como o melhor da noite, com quatro estatuetas.

Notável, todavia, foi o aplauso recebido por Martin Scorsese, o auditório de pé, honrando-o, para mim, como o grande injustiçado da noite.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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