Banquetes, ó esses banquetes!

Primeiro ocorreram os banquetes e com eles: discursos e brindes.

O ano era o distante 1848, tempo em que reinava na França o “monarca burguês” ou rei financeiro, Luís Felipe.

A França houvera experimentado de tudo, da monarquia à anarquia, igual ao Brasil em irresponsabilidade de escolhas.

Derrame de sangue, entretanto, aqui não teve, embora se fale disso demais, a requerer sucessivas investigações, nem se fale!, em mistificação de verdade…

Já na França, começou escorrendo na valeta da sarjeta aquele sangue tido como azul: do cristianíssimo Rei Luís Capeto, o XVI, e de sua mulher, a alva Antonieta dos Habsburgos imperiais de Áustria.

Sangraram depois os colarinhos engomados da nobreza, e até às brancuras dos assim chamados “Levitas do Senhor”, Padres, Bispos e Prelados, só porque estes não abjuraram de sua fé na Igreja de Cristo para se ajoelharem perante uma fé agnóstica: à República e à sua cidadania.

E em tal desprovimento crescente, a sangria também atingiu àqueles sem fé, os pernósticos de múltipla leva, só para lhes conferir que as hemácias, que todos temos: sejam elas do tipo O ou A, ou B e até AB; coagulavam iguais, com ou sem RH, do macaco Rhesus, possuindo a mesma cor: vermelha; todas inúteis, quando derramadas!

Todavia, como nem todo pranto gera só lamento e sofrimento, eis que chegou o momento de o terror ser vingado, sem choro nem lágrima: em Termidor!, na mesma navalha já bem afiada desde Floreal e Prairial, onde todos podiam perder a cabeça, só por serem “suspeitos de ser suspeitos” e de possuirem inimizades com a República.

Hoje, mais de duzentos anos depois, ninguém sabe nem lá nem cá, o que foram Floreal, Prairial nem Frutidor; nem a lei dos suspeitos de Germinal, quando até aos acusados de suspeição, eram negados poder falar e se defender, em sua própria defesa.

Mas, como sempre é fácil tudo esquecer, falsear uma aleivosia e investir na ignorância do vulgo, vogou apenas o Termidor, não como cauterização das chagas revolucionárias, mas como simples iguaria de frutos marinhos: muito requerida nos restaurantes e casas de pasto!

Assim, eis entronado, por boa pedida, o “Camarão à Termidor!”, muito disputado com queijo Brie, ou Rochefort , ou Parmesão…, queijo coalho ou requeijão chiclete, em conveniência d’outras receitas!

Mas, em outros recheios de distinto omelete, é bom frisar que Termidor foi reação terminal ao terror de Prairial, Frutidor e Germinal, meses semelhantes a Brumário, este só muito celebrado pelos “Dezoitos de Brumário” dos dois Napoleão Bonaparte, o tio e o sobrinho, tidos por Karl Marx como “tragédia e farsa”, todas no mesmo Calendário Revolucionário implantado por aquela República Francesa, surgida em sonho poético de tudo mudar, em liberdade, igualdade e fraternidade: tentativa que restou fracassada, em a todos nivelar numa rasteira e utópica cidadania.

Como a cidadania é uma conquista e não uma concessão por sonho ou vontade legal, tal utopia quimérica, no distante 1848, voltou a ser decantada em belos discursos e brindes nos banquetes referidos acima, bem narrados e comentados por Alexis de Tocqueville no seu notável e assaz referido “Souvenirs”, ou “Lembranças de 1848, As Jornadas Revolucionárias em Paris”, como assim nos editou a Companhia das Letras em 1991.

Para Maurice Augulhon, que refletiu “1848, O Aprendizado da República”, edição da Paz e Terra de 1991, naqueles idos de 1848, a França sobrevivida do Terror e das guerras imperiais Napoleônicas, herdara três dinastias, três partidos, e três cores, por preferência: os Bourbon, de bandeira branca e contrarrevolucionária, os tricolores Bonapartistas, vistos com reservas, pelos amantes da liberdade, e os Orléans, herdeiros de “Felipe Égalité”, o Felipe Igualdade, ancestral do nosso Príncipe Conde D’Eau, marido de Dona Isabel, “A Redentora”, que resgatara a bandeira tricolor como Rei Burguês, mas… Democrático!

O problema é que a sociedade gaulesa vivia em crise, como Jules Ferry, o sintetizaria depois firmando a responsabilidade das raças superiores civilizarem as inferiores : “A Primeira República nos deu a Terra, a Segunda, o Sufrágio, a Terceira, o Saber”.

Ora, a Terra fora dada a partir da expropriação dos bens da nobreza e do clero, no tempo do Terror; o Sufrágio fora concedido com a ascensão do Rei Burguês, e o Saber fora uma conquista daqueles tempos de laissez-faire, laissez-passer, em que só o camponês e o operário permaneciam como verdadeiros párias da nação.

Ocorre que, a despeito do fastígio da classe-média, vivia-se uma insatisfação com a fruição de mando e poder, daí os banquetes, onde brindes e discursos se alternavam, em queixas e críticas, ditadas pelas três vertentes políticas, que impedidas de se reunirem em comícios e amplas assembleias, burlavam a proibição de reunião com tais comensalidades, não tão frugais, mas repetidamente imoderadas, cada vez maiores e a reunir aglomerações, rebentando em nova revolução, a de 1848, que se revelou terrivelmente funesta, com a multidão sendo fuzilada, no Boulevard des Capucines, onde se encontra ainda uma placa alusiva, e daí o desfile de cadáveres pelas ruas de Paris, em prévias das barricadas de que nos fala Victor Hugo em Les Miserables.

Miserabilidades à parte, e distante daqueles tempos de fuzilaria, a imprensa sulista está a decantar um banquete promovido por empresários paulistanos no qual entre os convivas estavam os Presidentes Lira e Pacheco da Câmara e do Senado, hoje figuras notáveis da talvez declinante República Bolsonária.

Não faltassem rugidos e cóleras passionárias, de uma oposição ferina e vituperiosa que assaca o Mito, querendo-o um homicida e até um genocida, eis agora um “fogo amigo” iscado em um banquete iniciado.

E, já por conta destes eflúvios de ressaca, eis agora uma derrubada de Ministros: iniciando-se com Pazuello, o corajoso e eficiente General Intendente da Saúde, seguido pelo Chanceler Ernesto Araújo, nunca bem deglutido, e os Ministros Militares, todos ouriçados, querendo voltar aos quarteis onde hibernavam como ursos esquecidos, que acordados fora de hora, demonstram estar sem vontade ainda de entrar em guerra ou prontidão, marchar frente ao COVID, e enfrentar a latente agitação em prévias de rebeldia.

O tema dos banquetes de 1848, aparentemente obtuso, por démodé e fora-de-hora, lembrado em temperos parisienses, veio-me agora, porque ali tudo começou parecido em orgia e desvario, igual agora na Pauliceia: com bons comes-e-bebes, discursos sem eco ou lustre, e já nos chegam as quedas de ministros

Quanto ao arrepio e a sinistrose, se virão ou não, veremos depois, quando o sobejo e o rejeito do banquete chegar frio, sem gosto e estragado como restos para um povo esfomeado.

Por enquanto, está a “extrema imprensa” feliz a louvar o banquete lauto oferecido em São Paulo aos Presidentes Lira e Pacheco, da Câmara e do Senado, no qual foram ensaiadas cobranças duras ao Presidente Bolsonaro, acuado por ampla oposição de matar o povo pelo COVID.

Os dois Presidentes ameaçaram o Mito com os “remédios amargos do legislativo”.

Esquecem todos eles, que aos remédios funestos ajantarados, vale a lembrança de 1948 na França, e até de 1964 no Brasil, em saudosa memória, quando o Parlamento foi fechado, pela força das armas e o aplauso do povo, em diarreias iguais de idênticos acepipes.

Acontece, que a tais remédios amargosos, tão comuns nessas crises, sempre ocorre, embora não seja tão incomum, um amplo, geral e irrestrito recall nacional: desde o Presidente o que não é raro, atingindo bem além aos Três Poderes, igualmente, sem merecer lamento.

Um impeachment geral por renovação necessária, de governantes grandes e pequenos foi tudo aquilo que os generais de 1964 não ousaram nem fizeram, como os Tenentes Interventores de 1930: sem sangue, choro ou vela!

Cabe, por fim uma pergunta provocadora, por espiroqueta:  Por que só Bolsonaro, este “fil-do-nada”,  tem que padecer “os remédios amargos” desse legislativo afastado do povo?

Por acaso o povo referenda tais banquetes paulistas?

Ah, São Paulo, quantas vezes irás destambocar o país!

Não te bastaram os idos de 1930, sua sequência  em 32, e 37; e até 64 e 68, justo o ano que devia acabar e não acabou?

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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