Impeachment ou a banalização da prática de crimes de responsabilidade

Depois do colapso da saúde nacional decorrente da péssima gestão governamental do enfrentamento da pandemia global do coronavírus e depois do colapso das instituições, que se revelou essencialmente na omissão do Procurador Geral da República e da Câmara dos Deputados, em especial seu Presidente, em adotar atitudes concretas e objetivas para conter o negacionismo científico, o boicote assumido e a inércia do Governo Bolsonaro para superar essa crise dramática, o cenário parece ter se modificado substantivamente rumo a um factível impeachment.

Conjunturas se transformam rapidamente e não temos como prever como será a evolução dos acontecimentos, mas é perceptível que desde janeiro deste ano (quando discorremos sobre mudanças na conjuntura do “Fora Bolsonaro”) sucederam fatos que alteram significativamente a perspectiva, especialmente:

a) a instalação e o funcionamento efetivo da Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado Federal, destinada a investigar ações e omissões do Governo Federal no enfrentamento da pandemia; como toda CPI que investiga fatos de tamanha importância e envergadura, tem tido ampla cobertura jornalística e acompanhamento social, e tem publicamente desnudado as sistemáticas estratégias governamentais de não adoção das medidas de sua responsabilidade, em especial a falta de coordenação nacional das políticas públicas de prevenção e principalmente a omissão na compra e distribuição de vacinas em tempo necessário, deparando-se também, no seu desenrolar, com possível escândalo criminoso de negociação ilegal e superfaturada de aquisição de vacinas (caso da COVAXIN);

b) a realização de três atos públicos com muita adesão popular – atos que ocorreram em 29/05, 19/06 e 03/07, a despeito das restrições próprias da pandemia, e que foram efetivados com os seus organizadores e participantes demonstrando especial preocupação com a segurança sanitária possível, com uso obrigatório de máscaras apropriadas e distanciamento social evitando aglomerações de pessoas muito próximas nas passeatas – com a principal reivindicação do impeachment;

c) como consequência, o embrião de uma frente política ampla que engloba políticos e parlamentares desde a esquerda, centro-esquerda, centro, centro-direita e direita, do qual foi evento representativo a apresentação pública do “super pedido de impeachment” na quarta-feira 30/06/2021;

d) a queda contínua nos índices de aprovação popular na avaliação do Governo, conforme detectado em inúmeras pesquisas.

Todo esse quadro pode desembocar no início de tramitação, na Câmara dos Deputados, de qualquer dos mais de 100 pedidos de impeachment do Presidente da República Jair Bolsonaro já protocolados.

Pois bem, vozes abalizadas no meio político, na ciência política, no direito, vêm apontando suas preocupações com o que seria, em caso de evolução da conjuntura, a banalização do instituto do impeachment [afinal, dizem, desde a promulgação da Constituição de 1988 já tivemos o impeachment dos Presidentes Collor (em 1992) e Dilma (em 2016), além de praticamente todos os Presidentes da República sofrerem pedidos e reivindicações nesse sentido, o que seria fator de instabilidade política imprópria para o sistema presidencialista de governo, em que a deposição do Presidente da República deveria se dar apenas por meio do voto soberano do eleitor no momento apropriado].

Ora, se essas considerações parecem oportunas para um exame mais acurado e com distanciamento histórico no que se refere aos processos de impeachment de Collor e Dilma, o mesmo não se diga do que estamos a vivenciar nesse momento, nos quais os mais que evidentes e reiteradamente praticados crimes de responsabilidade de Jair Bolsonaro ameaçam de ruptura o próprio regime democrático formal e já concretizaram e ameaçam a preservação de vidas e da saúde pública no contexto da pandemia do coronavírus.

É como já comentamos em outras oportunidades: se diante do colapso nacional do sistema de saúde e da já concretizada maior tragédia sanitária de nossa história as instituições não despertarem definitivamente de sua inércia e não adotarem atitudes concretas e objetivas para conter o negacionismo, o boicote assumido e a inépcia do Governo Bolsonaro e para superar a crise dramática, não teremos a banalização do instituto do impeachment, mas sim a banalização das práticas sistemáticas e recorrentes dos crimes de responsabilidade sem consequência e sem a devida punição.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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