De picaretas e mal intencionados

                                                                             Marcos Cardoso

"Aquele que não conhece a verdade é simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é um criminoso." A frase de Bertolt Brecht, contida na peça-testamento A Vida de Galileu, pode ser adaptada livremente a várias situações e cabe perfeitamente ao Brasil político atual, quando tantas mentiras são repetidas como verdades e tantas verdades são escamoteadas com o único e nefasto intuito de alguém se prevalecer escondendo ou negando aquilo que é real e palpável.

Winston Churchill, um frasista imbatível, tem outra boa: “A mentira roda meio mundo antes da verdade ter tido tempo de colocar as calças." E esta resume a força contida na inverdade e os danos que ela pode causar, muitas vezes até irreparáveis. A verdade é como um corpo mais leve que a água e sempre vem à tona, mas o mal causado pode deixar marcas profundas.

Serão reparáveis os danos causados a tantas pessoas com a denúncia de corrupção e malversação do dinheiro público envolvendo os convênios entre a Prefeitura de Aracaju e a Sociedade Eunice Weaver, denúncia agora apontada como infundada pelo Tribunal de Contas da União? E o que dizer daquela insinuação mentirosa plantada pela revista Veja naquele exemplo de como não se deve fazer jornalismo que foi a “reportagem” famosa intitulada “A micareta picareta”?
Em acórdão publicado no dia 27 de março passado, o Tribunal de Contas da União dá por encerrado o processo movido pelo deputado estadual Augusto Bezerra contra a Prefeitura de Aracaju e a Sociedade Eunice Weaver. O processo foi relatado pelo ministro José Jorge e, por unanimidade, o pleno decidiu pelo arquivamento.

Em uma das alegações, o deputado afirmava que a Secretaria Municipal de Assistência Social não poderia terceirizar mão de obra mediante a celebração de convênio. Mas o objeto do convênio foi a execução do ProJovem e o TCU entende que na promoção desse projeto é permitida a contratação de educadores, bem como assistentes administrativos e pedagógicos.

Em outro ponto da representação, o deputado reclama dos recursos e da quantidade de convênios firmados entre a PMA e a Eunice Weaver. O TCU, por meio da Secretaria de Controle Externo, efetuou diligências para obter documentos e informações, procedendo a uma análise objetiva da aplicação dos recursos e não encontrou irregularidades.

"A partir da análise dos documentos acostados aos autos referentes aos convênios 52/2004, 44/2006, 46/2008 e 03/2007, celebrados entre a Prefeitura Municipal de Aracaju e a Sociedade Eunice Weaver de Aracaju, verificou-se que não foram constatadas irregularidades graves na aplicação dos recursos", encerra o Acórdão nº 1038/2012, da 2ª Câmara do Tribunal de Contas da União.

"O TCU analisou os quatro convênios com recursos federais. Após o exame técnico e uma minuciosa análise de toda a documentação apresentada pelo deputado, julgou e determinou o arquivamento da representação por improcedência, o que prova que os nossos convênios foram celebrados de forma correta", afirmou o prefeito Edvaldo Nogueira sem muita surpresa, já que sempre acreditou na seriedade dos atos da sua gestão e, nesse caso, das gestões anteriores, já que os convênios com a ONG vêm de 1998.

Além de atingir gestores públicos reconhecidamente sérios, inclusive secretários municipais, a denúncia repisada pela oposição manchou indelevelmente a imagem de uma instituição fundada em 1941 e que tem prestado relevantes serviços. A Sociedade Eunice Weaver de Aracaju, que chegou a ser identificada na imprensa como instituição fantasma, desenvolveu diversos programas, como o Adolescente Trabalhador, em parceria com o Banco do Brasil, Banco do Nordeste e Banco Real; Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), que beneficia crianças de comunidades menos favorecidas economicamente, em convênio com a Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania; Projeto Sentinela, que atende a crianças e adolescentes vítimas de violência, abuso ou exploração sexual, também em convênio com a Semasc; Projovem, dentre outros, em parceria inclusive com o Ministério Público do Trabalho.

Já no caso da tal “micareta picareta”, a Editora Abril foi condenada pelo Tribunal de Justiça de Sergipe a pagar R$ 200 mil em indenização por danos morais ao governador Marcelo Déda, devido ao conteúdo ofensivo da reportagem da Veja publicada em maio de 2006 e que fazia referência a atos promovidos enquanto o ofendido ainda era prefeito de Aracaju. Déda ficou à frente da prefeitura até 31 de março daquele ano, quando se desincompatibilizou para disputar e ganhar a eleição para o governo do Estado, derrotando no primeiro turno o então governador João Alves Filho, maior interessado na denúncia.

Foi um partido aliado a João Alves que, requentando esse mesmo tipo de acusação, assinou uma ação de cassação do mandato de Marcelo Déda, já governador, ação julgada improcedente pelo Tribunal Superior Eleitoral em 2010.
A 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Sergipe deu provimento parcial ao recurso apresentado pela Abril, quando buscava afastar a condenação de primeiro grau. De acordo com sentença da 7ª Vara Cível de Aracaju, a editora foi condenada a pagar R$ 80 mil em danos morais, e os honorários advocatícios foram fixados em 20% da condenação. Mas na decisão do TJ-SE, cuja relatora foi a desembargadora Suzana Maria Carvalho Oliveira, o valor da indenização foi aumentado para R$ 200 mil, reduzindo os honorários de sucumbência para 15%.

Em defesa da revista, os advogados da editora cinicamente disseram, durante o processo, que a publicação não teve a intenção de ofender, mas apenas de informar a sociedade sobre as investigações promovidas pelo Tribunal de Contas do Estado de Sergipe. A Abril sustentou, segundo o processo, que a sentença de primeiro grau baseou-se apenas no título e no subtítulo da reportagem, que, na avaliação da editora, têm função de apenas chamar a atenção dos leitores.
“Acontece que, ao contrário do que tenta parecer a defesa da Editora Abril, da leitura do texto da reportagem noticiada, observa-se a sua índole claramente pejorativa”, cravou a desembargadora, citando textualmente a revista, a começar pelo título e subtítulo da matéria, claramente parcial: “A Micareta Picareta – Marcelo Déda, do PT de Sergipe, desviou dinheiro público para animar sua campanha a governador”.

E assim seguiam as insinuações da revista, uma das mais desacreditadas de hoje, justamente pela campanha aberta que promove contra Lula desde 1989 e, consequentemente, contra o PT: “A prefeitura não deixa dúvida sobre as intenções eleitorais do PT: Déda promoveu os espetáculos para divulgar explicitamente suas obras antes de deixar o cargo”; “Há sinais, no entanto, de que parte do dinheiro pode ter sido desviada”; “A folia de Déda chamou a atenção do Tribunal de Contas de Sergipe”; “Com essas estripulias, Marcelo Déda consolidou seu favoritismo para o governo do Estado”; “Só agora começa a fazer sentido o slogan da gestão petista na capital sergipana: ‘Aracaju: deu certo para todos’. No caso, para todos os companheiros de Déda”.

O que diz a desembargadora Suzana Carvalho: “No título, no subtítulo e no corpo da matéria, transparece o objetivo da Revista Veja em denegrir a honra e decoro do recorrido, como político perante a sociedade, imputando-lhe crime de desvio de verbas públicas e usando palavras ultrajantes, como ‘Picareta’, numa tentativa óbvia de, deliberadamente, induzir o leitor a taxá-lo com o mesmo adjetivo depreciativo, e também de atingir o partido político ao qual pertencia, e, consequentemente, o governo da época. Portanto, diferentemente do que afirma a editora apelante, o título da reportagem e o subtítulo, não foram usados apenas com a intenção de chamar a atenção do leitor para a matéria que se seguia, e de fazer o papel da imprensa de informar a população sobre fatos e investigações de natureza grave, mas sim de criar a imagem de político corrupto e sem escrúpulos, com base em suspeitas que não foram confirmadas, mas tão somente investigadas pelo Tribunal de Contas de Sergipe”.

E conclui: “Ademais, ao utilizar a expressão ‘Picareta’, incorreu a Revista em injúria, figura jurídica que não admite a exceção da verdade. Dessa maneira, certamente a revista, nesse caso, extrapolou o direito de informação que lhe cabe, e a publicação jornalística, ora referida, agrediu os direitos da personalidade do recorrido, como a imagem, o decoro, a boa-fama e o seu prestígio como político na sociedade. Em suma, ofendeu a sua honra”.

Como avaliou o advogado José Rollemberg Leite Neto, defensor de Déda, a “acusação de crime infamante, sem provas e sem qualquer tipo de oportunidade de esclarecimentos, acrescida de texto que tentou ridicularizar e desmoralizar o homem público, foi determinante para a condenação”.

A “denúncia” da Veja se refere ao Pré-Caju e a shows artísticos com cantores de projeção nacional durante inaugurações de equipamentos públicos. Para mostrar a incoerência da oposição, o líder do governo na Assembleia Legislativa, deputado Francisco Gualberto apresentou cópia de Diário Oficial de abril de 2006, quando o Estado era governado por João Alves, mostrando que à época o ex-governador havia contratado o cantor Benito di Paula por um valor no mínimo suspeito para um show em praça pública. “Posso dizer que esse foi o verdadeiro ‘samba da corrupção’. Benito di Paula estava fora da mídia há pelo menos duas décadas, mesmo assim João o contratou por R$ 138 mil para um show. Por essas e outras a oposição fica cada vez mais desmoralizada em Sergipe”, disse Gualberto.

Quanto à liberdade de expressão, há quem defenda que enquanto a polêmica está no campo das palavras, deve valer tudo. Ou há liberdade para pensar – e expressar esse pensamento – ou não há. E que a lei não pode constituir embaraço à plenitude do pensamento, o que implica renunciar ao controle sobre seus conteúdos. Mas o mesmo artigo 5º da Constituição Federal que defende a liberdade de expressão também estabelece que "são invioláveis, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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