“E se?”. Um subgênero da Ficção Cientifica e a Teoria da História.

Ailton Silva dos Santos

Aluno do Mestrado Acadêmico (PROHIS/UFS)

Pós-Graduado em Didática e Metodologia de Ensino (FSLF)

Graduado em História (FJAV)

 

Divulgação da série O Homem do Castelo Alto (2015). Fonte: https://filmow.com/o-homem-do-castelo-alto-2a-temporada-t199611/

 

Vez ou outra, pegamo-nos imaginando como a vida poderia ter sido, caso tivéssemos seguido por outro caminho. “E se eu não tivesse casado jovem?”, “E se eu tivesse estudado arquitetura?”. Grandes escolhas ou decisões triviais podem afetar a realidade de uma maneira quase que idêntica. Mas, e se grandes acontecimentos da história tivessem ocorrido de forma diferente? Acredite, dentro do embate teórico, os historiadores se propõem a certas análises que flertam com tais questões e lhes dão o nome de História Contrafactual. Um exercício mental que busca especular, a partir da historiografia, opções paralelas à realidade. Entrementes, não só os cientistas se dão a esse trabalho; pois a literatura de Ficção Cientifica envereda, há muito, por tal estrada.

Para ilustrar esse debate, falaremos sobre O Homem do castelo Alto, obra que projetou Philip K. Dick mundialmente e principiou o gênero “E se?”, ao apresentar uma realidade em que o Eixo ganhou a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Similarmente, a própria construção do livro é uma concepção alternativa e chega a beirar o místico. Pois diz-se que o autor afirmava estar vivendo em uma realidade paralela, a partir do momento que, em sua casa, foi puxar a corda que ligava a luminária do banheiro, mas o cômodo possuía um interruptor. Jurando, ao longo da vida, que esse pequeno detalhe denunciou que não estava mais em seu mundo de origem. E, também, temos a presença do I Ching (ou Yi Jing), Livro das Mutações, considerado uma das mais antigas e importantes compilações da filosofia chinesa, o qual se diz capaz de prever os acontecimentos em suas múltiplas possibilidades. O Oráculo foi consultado tanto pelo autor, como por personagens ao longo das páginas. Entrementes, vivemos na era do Streaming e a Amazon Prime produziu uma série de mesmo nome. Roteirizada por Frank Spotnitz, contou com a direção executiva de Ridley Scott e Isa Dick Hackett, produtora e escritora que também é filha de Dick.

Tanto no livro quanto na série, o revés se dá a partir do atentado que Franklin D. Roosevelt sofreu em 1933. Mas ele não sobrevive, e os EUA ficam enfraquecidos, dado a uma sucessão de presidentes inexpressivos, acabando por se isolar do mundo e virando presa para os japoneses. Sem políticas expansionistas como o New Deal, não consegue se recuperar das consequências da Crise de 1929 e, quando a guerra eclode, os ingleses lutam sozinhos no ocidente e os soviéticos não conseguem resistir na frente oriental. Na obra, é latente a ideia de que os norte-americanos foram os vencedores, não sobrando espaço referencial para a atuação da União Soviética. Por fim, os EUA é divido em três porções, sendo elas O Reich Americano, os Estados Americanos do Pacífico e a Zona Neutra, uma área sem lei que abriga indivíduos melancólicos, assim como judeus, negros e gays, todos considerados escoria foragida. Agora, deve estar se perguntando sobre os Italianos, não é? Na obra, sua presença e participação chegam a ser irrisórias, pois, a grande mão que controla o destino do mundo está em Berlim. Entrementes, temos na presença oculta do Homem do Castelo Alto o ponto orbital do enredo. Este que contrabandeia películas (sendo livros, na obra escrita), através dos agentes da Resistência, intituladas O gafanhoto jaz pesado, que mostram acontecimentos de outros mundos envolvendo personagens comuns à narrativa. Tal construção fictícia possibilita uma série de debates enquanto ajuda a embasar a compreensão sobre aspectos históricos do período. Pois, temas como eugenia, racismo e a posição feminina no Terceiro Reich são apresentados em meio a trama.

A história contrafactual, que é pouco trabalhada na disciplina, chega a ser caracterizada como simples e pura ficção, pois busca discorrer sobre eventos hipotéticos que construiriam um presente, a partir de um passado diferente daquele verificado nas fontes. Entretanto, ela não muda, e nem tensiona mudar, o passado como de fato o foi. Mas possibilita maior compreensão sobre ele, já que a dialética contrafactual serviria para aprofundar a subjetividade e aumentar a riqueza do entendimento sobre a sociedade. Entrementes, a história não é um campo apartado e restrito à academia, mas algo que, mesmo inconscientemente, é defrontado e repensado pelos indivíduos. Nesse ínterim, a História Contrafactual corrobora à Teoria e a Historiografia, pois, muito da nossa compreensão de mundo é composta por um entrelaçamento de representações que atravessa o tempo. Sendo mais uma dessas representações, ela deve ser encarada como uma manifestação concernente ao espírito humano, e não ser rebaixada à mera especulação, ao passo que o contrafactual é pensado por escritores, diretores e curiosos.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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