Violência das Torcidas Organizadas em Pernambuco

Jairo Fernandes da Silva Júnior

Mestre em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (PGH/UFRPE)

Integrante do Laboratório de História do Tempo Presente (HTP/UPE)

E-mail: jairo.fernandes1994@gmail.com

 

Há um tom desfocado buscando preservar a imagem das pessoas envolvidas. Fonte: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2022/05/11/torcedor-do-corinthians-atacado-por-organizada-do-sport-pede-uniao-contra-violencia-em-estadios-ninguem-aguenta-mais-diz.ghtml

 

O ano de 2022 está sendo marcado por constantes episódios de violência proferidos pelas torcidas organizadas em Pernambuco. No Recife, a capital pernambucana, os eventos têm acontecido dentro dos estádios, nas ruas e nas dependências dos clubes. Discussões são levantadas sobre quais ações serão tomadas pelos aparelhos de segurança do estado e pelas diretorias esportivas das agremiações. As estratégias dos setores de segurança do estado são das mais variadas, porém não resolvem o antigo problema. Por outro lado, historicamente, as organizações de torcedores uniformizados estão próximas dos clubes, com objetivo inicial de apoiar e levar a marca do clube em um ato de amor e paixão, o que também dificulta o processo de pacificação.

Não é nosso objetivo classificar todos envolvidos nas torcidas organizadas como integrantes de organizações criminosas. Nossa perspectiva é entender o que levam pessoas a proferirem violência contra outras pessoas ou nas dependências dos clubes. Torcer no Brasil está, muitas vezes, atrelado ao amor incondicional. Já diria Nelson Rodrigues, “o futebol não se traduz em termos técnicos e táticos, mas puramente emocionais”, tornando-o um fenômeno social capaz de demonstrar o ato de torcer como uma catarse coletiva. Os indivíduos comuns revelam seu ódio nos estádios, reconhecendo o local como um lugar permissivo. Esse fenômeno foi classificado por Norbert Elias e Eric Dunning como mimetismo social, que se trata da capacidade que os torcedores têm de desconhecer o limite da ética e da moral, por estar vestido com uma camiseta que representa a organizada, o transfigura e o retira do que é rotineiro.

As torcidas organizadas nascem no Brasil entre as décadas de 1960 e 1970, com intuito de disseminar o amor pelo clube através do apoio e da burocratização do ato de torcer, uniformizando e padronizando formatos para apoiar nas arquibancadas. Para o antropólogo Luiz Henrique de Toledo, esses grupos de torcedores são “agrupamentos fluidos, dinâmicos e abertos”. Em Pernambuco, não é diferente; torcidas uniformizadas foram sendo criadas e se envolvendo nas entranhas dos clubes. Os integrantes estão para além da ética estabelecida na sociedade; muitas vezes, a receber apoio financeiro e estrutural dos clubes com finalidade de acolhimento e representatividade, porém exercem força excessiva em atos que banalizam a violência e promovem transgressões sociais.

A partir dos anos 1990, os episódios de agressão são recorrentes nas arquibancadas brasileiras e no estado de Pernambuco. Em meio a debates nacionais sobre violência nos estádios, as torcidas organizadas evidenciam um problema estrutural, principalmente ligado à desigualdade social, que culminam em confrontos, muitas vezes, protagonizados por facções criminosas. O anonimato é um dos fatores que instiga atitudes transgressoras, assim como o mimetismo social, a permissividade e formulações genéricas associadas a grupos sociais específicos. Nos anos 2000, tal fenômeno é intensificado, a forma como as organizadas estão conectadas aos clubes é avassaladora. A partir desse momento, os ataques são destinados às dependências do clube, aos dirigentes, comissão técnica e jogadores.

Rivalidade no futebol é o que fundamenta o esporte, é o princípio básico do jogo. As metáforas bélicas, destacadas também por Eric Dunning e Norbert Elias, dão configurações de disputas que remetem a dualidades. Com o passar dos anos, o futebol vem se configurando e se adaptando às pautas democráticas e de amplos debates sociais. Nesse contexto, torna-se paradoxal que um esporte que tenha se proposto a abrir campos de discussões se configure como violento.

Nas ruas, nos estádios ou nas dependências do clube, não importando o lugar, o gozo pela crueldade é propagado em nome de algo muito mais complexo do que só o clube. Mesmo que haja diversas estratégias dos aparelhos de repressão do estado, se não houver o registro e cumprimento de leis que não permitam a violência, os atos continuarão a existir. Enquanto os clubes não assumirem a responsabilidade dos seus torcedores, unindo ao cadastro de sócios e aliados com o compromisso do DNA do clube, não haverá paz. Este texto é para instigar a reflexão sobre a pacificação nos estádios, bem como destacar a importância de retirar os torcedores do anonimato. O futebol é um fenômeno, essencialmente, social, de festa e que pertence ao povo.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais