Musiqualidade

R E S E N H A

Cantor: FAGNER
CD: “PÁSSAROS URBANOS”
Gravadora: SONY MUSIC

Na segunda metade da década de setenta do século passado e início dos anos seguintes, uma leva de artistas nordestinos invadiu a música popular brasileira e chegou a causar um certo despeito do coeso grupo baiano que, àquela época, já tinha tomado a linha de frente no mercado fonográfico nacional. Alceu Valença, Amelinha, Belchior, Ednardo, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo, Moraes Moreira e Zé Ramalho lançavam um sucesso após o outro, mas o que ocupou uma posição de maior destaque foi mesmo o cearense Raimundo Fagner que se consolidou rapidamente como um grande vendedor de discos. Lançou álbuns memoráveis, gravou em espanhol, era disputado para fazer parte de discos de colegas e sua voz áspera e extensa era ouvida de norte a sul em trilhas de telenovelas globais. Também se destacou como compositor e forneceu grandes temas para o repertório de outros intérpretes.
Mas o tempo não perdoa e, nas décadas seguintes, para se manter em alta, Fagner teve que aderir a certos modismos. E se a gravação de discos com repertório regional (alguns, inclusive, ao lado de Luiz Gonzaga) não lhe desviava da rota original por conta de suas origens, a adesão, em seguida, a baladas românticas de forte apelo radiofônico decerto lhe tirou centenas de admiradores.
Embora venha lançando trabalhos com certa frequência, a verdade é que, de uns tempos para cá, ele vem passando praticamente despercebido. Suas agendas de shows continuam disputadas, mas é difícil ouvir no rádio canções de seus discos mais recentes.
Uma grande chance de isso ser quebrado surge agora com o lançamento do CD intitulado “Pássaros Urbanos”, o qual aporta no mercado através da gravadora Sony Music. Com sua voz inconfundível ainda em forma, Fagner entregou a produção do álbum a Michael Sullivan e talvez seja por esse fato que o hitmaker de outrora conseguiu emplacar duas canções no repertório (“Arranha-Céu” e “Tanto Faz”, parcerias com Fausto Nilo e Anayle Lima, respectivamente), ambas os momentos menos iluminados entre as onze faixas apresentadas.
Fagner revisita um grande sucesso do conterrâneo Belchior (“Paralelas”) e, como de costume, reverencia o seu Estado, seja com a regravação da conhecida “No Ceará É Assim” (de Carlos Barroso), seja com a inédita “Samba Nordestino” (que alarga o conceito da homenagem), um dos destaques, feita ao lado de Zeca Baleiro que surge como convidado especial. E se Baleiro também é o parceiro em “Toda Luz”, o já citado Fausto Nilo também divide com Fagner a autoria da bonita “Balada Fingida” e da interiorana “Versos Ardentes”, além de fornecer a canção-título, composta com Cristiano Pinho. Outros destaques ficam por conta de “Doce Viola” (de Jaime Alem, que bebe nas mais genuínas fontes rurais brasileiras e já foi gravada anteriormente por Maria Bethânia) e “Se o Amor Vier” (de Fagner e Clodo Ferreira). Esta música se revela uma verdadeira pérola (e somente por ela  já vale o disco inteiro), remetendo o ouvinte ao período do auge criativo do artista.
Ainda não é o CD que Fagner deve ao seu público. Seu talento e versatilidade lhe permitem mais. No entanto, trata-se de um título que merece crédito entre aqueles que compõem a sua vasta discografia e que dá pistas de que o vulcão está voltando a entrar em erupção…

N O V I D A D E S

* Com sua voz macia, encorpada e bonita, a cantora Wanda Sá lançou o seu primeiro disco em 1964. Trata-se de “Vagamente” que se transformou, à época, em um título obrigatório para os apreciadores da então emergente Bossa Nova. Dele, entre outras, faziam parte, além da faixa-título (uma das mais felizes parcerias de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli), as canções “Sem Mais Adeus” (de Francis Hime e Vinicius de Moraes), “Vivo Sonhando” e “Inútil Paisagem" (ambas de Tom Jobim, esta última composta com Aloysio de Oliveira). Depois disso, a cantora, durante a década de sessenta, lançou somente mais outros dois álbuns, os quais foram gravados nos Estados Unidos: os bilíngues “Brasil ‘65”, ao lado do trio de Sergio Mendes e com a participação de Rosinha de Valença ao violão (aqui, grandes momentos ficam por conta de “Berimbau”, de Baden Powell e Vinicius, “Reza”, de Edu Lobo e Ruy Guerra, e “O Morro Não Tem Vez”, de Tom e Vinicius, creditada como “Favela”) e “Softly!” (em que se destacam  “Oba La La”, de João Gilberto, “Aruanda”, de Carlos Lyra e Geraldo Vandré, e “Água de Beber”, de Tom e Vinicius). Para celebrar os cinquenta anos da carreira de Wanda, o selo carioca Discobertas reuniu esses três trabalhos no box “Wanda Sá – Bossa Nova – Anos 60” e acaba de fazê-lo chegar às lojas com o som totalmente remasterizado e a inclusão de algumas faixas-bônus. Dentre elas merecem ser ressaltadas as inclusões de “Desafinado” (mais uma de Tom e Vinicius, em um de seus raros registros do qual consta a sua pouco conhecida primeira parte) e “O Morro” (de Carlos Lyra e Gianfrancesco Guarnieri, música que ficou conhecida com o título de “Feio Não É Bonito”).

* Enquanto formou dupla com Lucina, a cantora e compositora Luhli lançou vários discos e teve canções gravadas por nomes de ponta da nossa MPB, a exemplo de Ney Matogrosso, Nana Caymmi e Joyce. Quando a dupla se desfez em 1997, cada uma seguiu em carreira solo e, a seu modo, elas vêm lançando com frequência discos para eternizar suas novas criações. O mais recente de Luhli se intitula “Música Nova” e acaba de chegar ao mercado de maneira independente. Trata-se de um CD muito bacana que mostra a artista em pleno vigor criativo. Produzido por ela própria, o álbum traz uma sonoridade simples, mas que soa totalmente pertinente à sua obra. Os melhores momentos do repertório composto por quatorze faixas (algumas criadas por Luhli ao lado de parceiros como Alexandre Lemos, João Gomes e a própria Lucina) ficam indubitavelmente por conta das belíssimas “Novos Horizontes” (composta pela artista ao lado de Leo Nogueira e Dhenni Santos) e “Escultura” (criada solitariamente), mas há vários outros momentos especiais, tais como “Saudade das Estrelas”, “Entre a Lei e o Lá”, “Festejo”, “Toque de Mina”, “Vamos Índio” e a faixa-título. Super aconselhável para quem tem bom gosto musical!

* As gravadoras Universal e EMI, em parceria, estão lançando o CD duplo “Dorival Caymmi – 100 Anos”. Trata-se de uma compilação que sai para marcar as comemorações do centenário de nascimento desse que é por muitos considerado como o precursor da moderna música popular brasileira. No CD 1, vários intérpretes emprestam suas vozes a verdadeiras pérolas do compositor, a exemplo de Carmen Miranda (em “O que É que a Baiana Tem”), Elza Soares (em “O Samba da minha Terra”), Clara Nunes (em “Morena do Mar”), Dick Farney (em “Marina”) e João Donato (em “Cala Boca, Menino”). Já no CD 2, o próprio homenageado solta o seu vozeirão, iluminando belos temas como “Promessa de Pescador”, “Vatapá”, “Rosa Morena”, “Pescaria” e “O Bem do Mar”.

* Segundo CD do cantor e compositor Alvinho Lancellotti, “O Tempo Faz a Gente Ter Esses Encantos” chegou já há algum tempo às lojas de maneira independente, trazendo, no repertório, nove faixas inéditas e solitariamente autorais e mais outra (“Antena”), composta por ele ao lado de Domenico Lancellotti. Cercado por músicos dos mais antenados da cena indie nacional, a exemplo do guitarrista Davi Moraes, do baterista Rodrigo Scofield, do violonista Pedro Costa e do flautista Dudu Oliveira, Alvinho construiu um CD bem agradável. Suas canções (que bebem em fontes dignas como Caetano Veloso e Celso Fonseca) descem redondinhas, passeando com sonoridade cool por ritmos vários que vão do afoxé (“Sexta-Feira” e “É de Mamãe”) ao afro-brasileiro (“Gira de Caboclo”), passando pelo samba (“Alegria da Gente”) e flertando com o pagode lento (“Vidigal”), um dos melhores momentos do álbum. Outros destaques são o pseudo-maracatu “Vazio” e o batuque “São Tomé”. Com letras geralmente curtas, mas que dão conta do recado, as canções cabem como uma luva na voz do cantor, agradável e bem colocada em exatas proporções.

* O grupo carioca Les Pop (que, com a saída de Thiago Antunes e a entrada de Maycon Ananias e Carlos Salles agora é formado pelos dois ao lado dos fundadores Rodrigo Bittencourt e Daniel Lopes) anuncia para breve o lançamento do segundo CD intitulado “Delira e Vai”, embora algumas canções já se encontrem disponibilizadas na net. O repertório será formado por onze faixas, entre as quais estão “Adaga”, “Canastra”, “Flecha do Tempo”, “Santinho”, “Valentine Blue” e “Samba Meu”, esta gravada originalmente por Maria Rita em 2007.

* A carioca Márcia Guzzo está trabalhando na divulgação de seu primeiro CD, o bom “Leve”, lançado efetivamente no final do ano passado. Formada em canto lírico e popular, há quase uma década ela acumula na bagagem participações em bandas de MPB, forró e pop-rock. Mais recentemente, integrou um grupo de samba e choro que se apresentou pelas noites boêmias da Lapa. Procurando constantemente se aperfeiçoar, Márcia também cursou canto, cavaquinho e pandeiro na Escola Portátil de Samba e Choro da faculdade UniRio. A partir de 2008, começou a cantar em vários festivais de música, conseguindo firmar seu nome no circuito até porque geralmente se classificava entre as primeiras colocadas. Foi então que ela viu chegar o momento de se lançar no mercado fonográfico e o álbum de estreia, cuja direção musical ficou a cargo do trombonista Sérgio de Jesus, se faz composto por onze faixas (duas delas, inclusive, compostas por ela própria: “Lua e Mar” e “Coco Miudinho”, esta em parceria com Rodrigo Sestren). Dona de voz aguda e afinada, ela também se mostra uma ótima intérprete, passeando com segurança e desenvoltura por um repertório eclético que mescla influências regionalistas de ritmos latinos, afro-sambas, jazz, pegada circense, coco e maracatu. Entre os destaques do disco estão “A Escada” (de Edu Krieger), “Palhaço” (de Nelson Cavaquinho) e “Foi a Saudade que me Trouxe” (de Chico Alves e Zorba Devagar), além da inspirada faixa-título (de autoria de Vinicius Castro). E para abrilhantar o projeto, surgem, como convidadas especiais, Elba Ramalho (em “A Primavera Chegou”, de Ricardo Duna) e Dona Ivone Lara (em “Novo Alvorecer”, dela e Décio Carvalho).

* Mallu Magalhães vai desenvolver, paralelamente à carreira solo, um projeto coletivo ao lado de Marcelo Camelo, seu marido, e do baterista português Fred Ferreira. O trio Banda do Mar lançará CD, no segundo semestre, com repertório basicamente autoral. Quem viver, ouvirá!

RUBENS LISBOA é compositor e cantor.
Apresenta o quadro "Musiqualidade" dentro do programa "Canta Brasil”, veiculado pela Aperipê FM todas as segundas-feiras, às 10 horas.
Quaisquer críticas e/ou sugestões a este blog serão bem-vindas e poderão ser enviadas para o e-mail: rubens@infonet.com.br

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