Eu, tóxico!

Depois de alguns anos, volto a este espaço de escrita, para cronicalizar alguns dos meus sentimentos e minhas relações afetivas. Não tudo, para não assustar você, leitor(a).

Há dois anos desfiz uma amizade bonita. Na verdade, foi necessário que terminássemos nosso vínculo em prol de nossa saúde mental. Ela e eu vivemos coisas que apenas nós dois poderíamos passar, juntos: anos de festas, bebidinhas, músicas, dores, viagens com os pés no chão e cabeças voando… Hoje, compreendo que nada que é bonito tem a obrigatoriedade de ser eterno, porque nem nós mesmos somos, imagine…

Ainda que alguém tenha uma orientação sensível, feminista e complexa, traços de maldade estão, às vezes, estão incrustados e mesmo que demorem, num ponto da vida aparecem e quebram sentimentos. Nossa parcela machista se mostra nas pequenas relações do cotidiano, mesmo que achemos que não, que não somos machistas, estúpidos e agressivos; somos sim! e ao falar aqui de machismo, quero reiterar que trato do machismo de quem nasceu com pau da mesma forma do machismo incrustado em mulheres também. Esse açoite, que castiga e machuca, a meu ver, não é uma característica unicamente do sexo masculino, nem do homem hetero… atinge todos nós. O ser machista está em menor ou maior grau em todos, e para isto aparecer basta cavar um pouquinho que ele estará lá, tipo uma célula cancerígena em estágio inicial.

Dentro das brincadeiras “pesadas”, onde tantas vezes me fiz presente, dentro das permissividades que uma amizade pode gerar, sei, que, algumas vezes, me perdi em ações e falações sem sentidos, que certamente machucaram essa minha ex-amiga. Passei os últimos dois anos pensando e repensando nas situações nossas, que causaram dor nela, da mesma forma que relembrei das vezes em que ela me machucou. Das “brincadeiras” que machucam, fui senhor algumas vezes e noutras fui vítima também. Parecia que tudo era permitido, só que uma hora, um lado da balança pesou mais e o que chamávamos de amizade perdeu a leveza.

Se estamos discutimos liberdades hoje em dia e se não aceitamos alguns olhares e preconceitos é porque estamos evoluindo, às duras penas mas estamos, ainda que passemos por cima de lágrimas e sorrisos tortos. Acho que ao longo dos meus 43 anos tenho melhorado diariamente, pelo menos eu me sinto assim. Não sei se você aí (leitor/a) já teve a oportunidade de se autoanalisar e perceber suas falhas, suas maneiras erradas de tratar quem o cerca.

Faça isso um pouco, eu recomendo, mas já adianto que esse processo machucará você.

Ainda que eu escrevesse aqui um tratado baseado em remorsos e pedidos de desculpas por cada atitude errada que tive com essa ex-amiga ou com qualquer outro amigo, de nada adiantaria porque o que tinha que ser mudado foi reparado dentro de mim, vem sendo transformado de dentro pra fora, num processo contínuo para reparar e anular minhas tais lacunas tóxicas, sempre prezando por um campo mais simples e honesto comigo mesmo. E aqui não busco uma pureza, uma espiritualidade, um perdão ou perdoar. Não se trata de nada disto, mas de admitir que já fui tóxico, do mesmo modo que já foram comigo também, e seguimos.

Sei, que aqui, corro o risco de cair numa armadilha ao confessar minha toxidade (e que às vezes ainda a percebo em mim, só não a cultivo). Escrevo para dizer que se fui tóxico e se foram tóxicos comigo é pra lembrar que a linhagem que descendemos era tóxica também. Vivíamos na reprodução de ações que não cabem mais. Hoje posso confessar algo ruim assim, sem me sentir ferido com isto porque entendo que reproduzia comportamentos. É claro que não é fácil escrever algo desse porte ou me afirmar tóxico – palavra da moda que já vem caindo em desuso também.

Se tem uma coisa que venho aprendendo nos últimos tempos é que precisamos admitir que estamos longe de uma perfeição, muito-muito-longe de uma santidade cafona, que assola os mais bobos, que ainda não enxergaram o quão violentos e desonestos, sentimentalmente, são.

Passei o ano de 2022 num processo de autoentendimento, analisando-me na tentativa de encontrar-me, saber realmente quem eu sou, dentro das relações que construí ao longo da minha vida. Descobri coisas muito pesadas sobre mim e sobre os outros, mas descobri muita beleza, amor e autocompaixão. Ultimamente ando em linhas tortas e pessoais, onde várias sensibilidades me tocam, e em vários sentidos. Venho percebendo que não me descobri totalmente ainda (capaz disto nunca acontecer).
Voltando a escrever aqui sobre essas coisas, vejo-me em mais um processo de cura, de tornar-me menos peçonhento e incapaz. Vou contando mais sobre o que venho descobrindo nas próximas semanas. Por hora, me sinto feliz em voltar.

 

Para falar comigo, mande um e-mail pro: jaimenetoparticular@gmail.com ou me procura no Instagram, através do @jaimenetoo.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
Comentários

Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso portal. Ao clicar em concordar, você estará de acordo com o uso conforme descrito em nossa Política de Privacidade. Concordar Leia mais