Toda mãe é santa?

Trabalhei com uma colega jornalista durante alguns anos. Ela chegou “verde”, como a gente fala no jargão jornalístico, ou seja: sem experiência nenhuma, e tudo bem até porque no Jornalismo aprendemos um pouco a cada dia. Era uma convivência harmoniosa, cheia da alegria jovial que ela emanava, como se aquele lugar fosse a melhor coisa do mundo. E não era. Alguns poucos anos depois estávamos nós, dois jovens cansados, do dia a dia na redação. Prazos curtos, sendo mandados por chefes, editores e qualquer tipo de bajulador do dono da empresa. Um inferno em forma de trabalho.

Caminhos dispersados, cada um tomando conta de sua própria vida, mas, o carinho, de quem trabalhou num lugar insalubre junto. E assim continuamos (minha colega e eu) nossa relação de carinho, nos encontros de trabalho, entre um evento e outro. Sempre com cumplicidade e afinco. Passados alguns anos, eis que essa minha colega assumiu um cargo de assessora de imprensa de um órgão público. Depois de alguns anos sendo explorada, cansou. O trabalho que era bem pesado e, relativamente, mal remunerado a fez procurar outros ares e então ela sugeriu o meu nome para assumir a vaga que ela deixaria em breve. Na época, eu, que trabalhava numa assessoria de uma entidade educacional, só teria condições de assumir meio período, o que dificultaria substituí-la (uma vez que ela, praticamente, trabalhava 24 horas para uma ex-secretária do Governo de Sergipe). Assim, entrei apenas como jornalista na tal assessoria de imprensa, ficando meio período, o que daria para conciliar com o meu outro emprego, o qual me pagava bem melhor, por sinal.

Até aí tudo bem… o problema é que o novo “chefe”, que entrou substituindo minha colega, era digamos assim: um tanto quanto estranho, pra não dizer de caráter duvidoso…

Ao chegar, o cidadão passou alguns dias avaliando as pessoas, sem com isso se comunicar muito com os demais colegas do setor. Todo dia era aquilo: ele chegava, entrava no Twitter pessoal dele e passava a manhã inteira entre piadinhas infanto-juvenis publicadas no micro-blog e “dando ordens” aleatórias aos “subordinados” – coisas sem sentido algum diante da responsabilidade do cargo ao qual ele tinha sido contratado.

Em menos de um mês na vaga, lá estava ele criticando a pessoa que o indicou, ou seja, minha colega. O jovem rapaz, visivelmente incomodado porque ninguém confiava em suas atitudes e palavras, ficava boa parte do tempo criticando outros jornalistas sergipanos, emissoras, sites e até mesmo as pessoas da própria secretaria, a qual ele agora fazia parte. Um horror de convivência.

Como o jovem rapaz vinha criticando a pessoa que o indicara àquela vaga, afirmando inclusive que ela não sabia escrever… entre outros comentários esdrúxulos… a conversa já tinha chegado aos ouvidos da minha colega, que indignada resolveu marcar um almoço, com todos os seus ex-subordinados para tratar da gestão do tal cidadão. Ela se sentia tão culpada por indicá-lo que chamou todos nós para uma espécie de reunião. Na época, minha colega estava trabalhando num jornal e, mesmo atarefada, marcou o encontro num restaurante da 13 de julho.

Claro que, naqueles dias, eu também estava sendo atingido pelo mau-caratismo do jovem rapaz e seus comentários vorazes. Ainda que eu tivesse explicado a ele que não tinha interesse algum em seu cargo de “chefia”, muito menos em ganhar o que ele ganhava, para me submeter a tantos desgastes, o descompensado passou a me enxergar como um possível concorrente e assim virei mais um alvo de sua boca-mole-infernal.

Tentando entender como é que eu, macaco-velho, estava envolvido naquilo tudo, também participei do almoço para “malhar o Judas”. E ele foi bem malhado por minha colega e por todos nós, descascado, xingado de todos os nomes. Minha tal colega estava inspirada naquele dia. Em média, oitos pessoas estavam mastigando seus almoços enquanto discutiam como agir através de mecanismos de prevenção contra o antiprofissionalismo dele.

Resumindo esse quiproquó: eu pedi demissão para não me exaltar (ou até agredir) o jovem rapaz, e toquei minha vida adiante… outros empregos surgiram logo depois – algo bem normal no Jornalismo de Sergipe. Em Aracaju, a roda, roda bem rápido e ninguém fica muito tempo num só lugar. Hoje dorme-se chefe e amanhã acorda-se na fila do seguro desemprego ou pedindo emprego a algum amigo. São as famosas indicações… isso é normal.

O que não foi normal foi abrir, pouco tempo depois, as redes sociais e ver uma foto de minha colega com o tal jovem-rapaz, ambos sorridentes. O choque inicial só foi menor quando constatei que o cidadão estava na foto do batizado da filha dela. Não que eu quisesse estar no batizado da criança, nenhuma vontade, mas, confesso que fiquei de cara ao notar que tudo aquilo que ela tinha falado sobre ele pareceu nunca existir. E aí me perguntei, na época, se a raiva dela – ao ponto de marcar um almoço para nos contar as atrocidades que ele falava sobre todos nós – teria sido um devaneio meu, e se a quiche de alho poró, caríssima, que comi naquele almoço teria sido uma ilusão da minha cabeça.

Claro que não foi ilusão. Nem eu estava louco!

Assim que eu me recuperei da imagem tacanha daquela foto, minutos depois, liguei para minha colega (alguém que, na época, considerava uma amiga) e perguntei o que tinha acontecido para que, depois daquele inferno que ela viveu com ele e que nos colocou junto, agora estavam assim: em uma foto de batizado, e a resposta dela foi bem simples:

– Sabe Jaime, eu virei mãe. Muitas coisas que passei, eu perdoei. Perdoei ele. Deixei pra lá. Ele conversou comigo e nos acertamos – disse ela.

A tal resposta deixou uma gama de palavras subentendidas, sentidas por mim como mecanismos de superioridade. Lembro-me, que no atravessar de sua resposta estava algo mais profundo, algo como a impossibilidade deu entender aquela cena patética dos dois juntos numa foto, simplesmente pelo fato deu jamais ser mãe, ou seja: virar uma santa! Lembro também de perceber que ela estava tão feliz em ter se tornado mãe, que qualquer outra pessoa, em situação não semelhante a sua, seria impossibilitada de compreender o quão maravilhoso é casar na igreja, engravidar alguns meses após o casamento, daí então dar a luz a uma criança perfeita, com os dez dedos nos seus devidos lugares e respirando bem, uma bebê linda… e que o manto da felicidade e da santidade de se conseguir ser classe-média-média-alta caindo sobre sua cabeça a colocaria no patamar de uma Lakshmi que passeia entre os mortais, só para lhes mostrar o quão brilhosa é a plenitude de ser uma mulher completa (esposa, mãe, dona de casa exemplar, deusa, toda perfeita…).

Claro, que não lembro da minha resposta a ela agora, pois já se passaram uns 10 anos do ocorrido, mas, desconfio que deva ter sido algo entre a ironia e o descrédito nela, enquanto amiga. Desencantei dela!

O que mais me intrigou nisso tudo, foi ela jogar na alcunha de ter se tornado “mãe” o (des)valor das coisas que ela tinha vivido antes, como se a maternidade tivesse apagado tudo. Entendo que podemos mudar nossas opiniões, nossas atitudes pro bem ou pro mal, mas a justificativa de que ter se tornado “mãe” a teria levado a um nível de santidade, me pareceu tão forçada, tão superficial, que me arrependi de tratar ela sempre com educação e carinho. Hoje, a trato, minimamente, com educação, mas não mais com admiração.

Acho, que o mínimo que ela deveria ter feito era reunir todas as pessoas de novo, convidar o jovem rapaz e ali realizar um exorcismo de quem ela foi, de quem ele foi e em meio a essa cerimônia de beatificação generalizada, ela pagar o nosso almoço – liberando quiches de alho poró com Coca-Cola Zero gelada para todos nós. Daí sim, eu teria sido ressarcido daquele almoço inglório do passado e saído de tudo aquilo lembrando ainda mais de quem eu sou: alguém que não confia em quem é boazinha demais.

Fim.

 

Para falar comigo, mande um e-mail para o jaimenetoparticular@gmail.com. Também estou no Instagram, pelo @jaimenetoo.
O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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