O Natal não merece

Houve um atentado frustrado à produtora do “Porta dos Fundos”, este grupo teatral que acha poder sorrir com a crença dos outros.

Ouço comentar, que o tal “Porta dos Fundos” montou uma peça em que Maria, a mãe de Jesus, é retratada como uma rameira, alguém que vende carícias, e Jesus é um Jesus da moda; é gay.

Desnecessário dizer que tudo não passa de uma piada sem graça.

Dizem que a liberdade de pensamento e expressão deve ser ampla, geral e irrestrita, sob pena de tolher a criatividade.

Só não deve ser ampla a reação.

A reação deve ser contida senão nos estreitos limites da educação, mas, sobretudo, nas balizas dos tribunais, onde a graça poderá ser melhor reverberada em teses e contra teses advocatícias.

Fala o noticiário, que três celerados, ainda não identificados, esboçaram um atentado, utilizando toscos coquetéis molotovs contra a liberdade de expressão do “Porta dos Fundos”.

Em verdade, tudo parece piada de “Beto Carneiro, o vampiro brasileiro” do genial Chico Anísio que fazia graça, sem ofender nem denegrir.

O atentado foi contido com facilidade e o resultado é que o “Porta dos Fundos” vai suscitar igual ao Charlie Hebdo, na França, um movimento local, quiçá internacional, tipo “Eu sou ‘Porta dos fundos’, arrombe-me!” Tudo em nome da livre piada.

Do atentado no Charlie Hebdo, Philippe Lançon, um dos seus redatores, entrevistado por Le Figaro, edição de 11 de dezembro, assim se expressou como se fora mudança, após meditar dias insones numa cama de hospital: “Depois do atentado, eu escrevo com menos sarcasmo e mais ironia”.

Ao lê-lo, perguntei se entre o sarcasmo e a ironia, haveria alguma diferença que tivesse surgido em termos de aprendizado de uma lição.

Será que, entre ironia e sarcasmo, ninguém aprende, ninguém se “ressocializa”, pelo menos, só para utilizar esse termo “ressocialização”, comumente empregado pelos críticos dos nossos sistemas prisionais?

E por extensão, ninguém se conserta, e o “pau que nasce torto, não tem jeito, morre torto”, como “charlava” a antiga cantiga do baiano?

Seria algo inerente à espécie e natureza do escorpião?

O tema me veio à mente, sobretudo com o ataque em “vingança maligna à brasileira” desferido contra a peça sem graça que ocupa lugar destacado do noticiário.

Se Philippe Lançon deixará o sarcasmo pela ironia, pelo menos, a título de mudança, confessa: “Eu não creio que escreveria a mesma coisa hoje. Eu era mais descuidado, então efetivamente, mais cruel e agressivo: quando a morte e os cuidados estão distantes… O atentado me fez amadurecer e ser mais direto, eu creio. Eu não tenho mais vontade de escrever a propósito de homens, de obras ou de acontecimentos que me fatigam ou me incomodam. Eu trato sempre as coisas, eu espero, de um modo leve e se possível com humor. Isto é essencial para mim num mundo cada vez mais sentencioso, pretencioso e extravagante; mas eu os trato com menos sarcasmo e mais ironia. Este “eu” nasceu nas camas do hospital em que eu refletia, semana após semana, o que eu vivia e via em torno de mim. E quando eu saí do hospital ele me seguiu. Minha maneira de ser pessoal nas crônicas antes do atentado era ir além da ficção.”

Talvez, a título de reflexão, colocar o “eu”, opinativo, seja o que for, exiba a coragem do articulista que no anonimato procura esconder.

Eis um tema interessante a perquirir, até para evitar gracejos sem graça em tempos de Natal.

O texto acima se trata da opinião do autor e não representa o pensamento do Portal Infonet.
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